terça-feira, 29 de junho de 2010

Literatura: "O homem que matou Getúlio Vargas", de Jô Soares



Gosto de escrever desde adolescente, mas sempre tive dificuldade de trabalhar com sátiras. Invejo os autores que conseguem fazer personagens históricos, pessoas públicas, famosas, celebridades, transitarem por entre mundos fictícios, entre realidades imaginadas, com isenção, sem macular a figura retratada ou mesmo torná-la uma mera caricatura ou arremedo de ser humano. Para mim, esses sim são os verdadeiros ficcionistas.


Pensando sob essa ótica, foi prazeroríssimo (e mais do que isso: inesquecível) ler - na verdade reler, pois essa foi minha segunda experiência com o romance em questão - o antológico O homem que matou Getúlio Vargas, escrito pelo comediante Jô soares, que já havia me encantado anteriormente com o seu hilário O Xangô de Baker Street.


Dimitri Borja Korozec, o assassino de 12 dedos, é genial e hilário na mesma medida. Passeando pela história mundial e interferindo em fatos do passado que mudaram a sociedade como um todo, ele persegue sua missão (a de matar o presidente brasileiro), entre desastres e infelicidades mil, com unhas e dentes, nos apresentando a um dos mais inusitados vilões da história da literatura brasileira. Fico bobo que nenhum diretor tenha ainda corrido atrás dos direitos autorais para transpô-lo para a tela do cinema. Certamente daria um belo exemplar cinematográfico!


O homem que matou Getúlio Vargas é único, ímpar, em suas múltiplas diferenças. Trabalha com um conceito de narrativa que não se vê com frequencia nas letras nacionais, é engraçado sem soar escrachado (o que, na minha modesta opinião, é sempre ponto a favor) e, acima de tudo, joga com as aflições do leitor que deseja mais do atrapalhado assassino a cada página. Imperdível para os fãs do gênero policial.


quinta-feira, 24 de junho de 2010

Quadrinhos: "Nova York - a vida na grande cidade", de Will Eisner




Falar que Will Eisner é um dos maiores gênios da nona arte (senão o maior) é chover no molhado. E dizer que eu sou fã desse senhor desde que me entendo por gente que lê quadrinhos de forma alucinada também. Eisner reinventou o conceito de histórias em quadrinhos, fazendo com elas atingissem o patamar de obra de arte. com suas histórias muito bem tramadas e personagens amorais, indecisos, contraditórios, fez - e ainda faz! - a loucura de milhões de fãs que até hoje choram por sua morte (uma perda, definitivamente, irreparável para a história dos comic books).


Em Nova York - a vida na grande cidade (reunião de quatro histórias do mago da pena e criador do eterno Spirit), os leitores do trabalho desse criador magistral irão se refestelar com suas articulações narrativas precisas e seu traço firme e único.


Seja pelo comportamento ambíguo dos moradores dessa cidade, seja pelas construções (edifícios, galpões, depósitos etc) soturnos, ou mesmo pelo clima aterrador com o qual ele descreve as ruas poeirentas, sujas, manchadas por uma violência atroz e, muito vezes, inverossímil (os menores gestos são suficientes para causar o maior estrago à vida de seus personagens), o autor consegue fazer de seu leitor um confidente de suas obsessões.


Nova York é pura adrenalina, contada de uma maneira simples e calculista (algo que, se levarmos em consideração, tem sido algo raro de se ver nas atuais HQs que inundam o mercado diariamente). Perfeita para aqueles que desejam um contato mais próximo com a profundidade da alma humana e suas inconstâncias.


sábado, 19 de junho de 2010

Teatro: "Avenida Q", de Charles Moeller e Claudio Botelho



Oito atores, 16 bonecos, luzes, sátira, sexo, muita diversão.


Sucesso nos palcos da off-Broadway por seu humor politicamente incorreto, Avenida Q - espetáculo originalmente produzido por Robert Lopez e Jeff Marx - é um colírio para os olhos daqueles que admiram uma boa comédia. Essa versão brasileira muito escrachada (que preservou os conteúdos das canções originais e teve seus bonecos-atores confeccionados nos EUA) cai como uma luva para alicerçar ainda mais o frisson já causado por essa peça em outros países.


Como disse o próprio encenador Claudio Botelho em declaração para seu blog pessoal: "Avenida Q trata de um mundo que só quer saber dos vencedores. Porém, os eleitos e os chamados especiais são muito poucos. A vida não é feita por eles e sim pelos do segundo time - pessoas com ótimas histórias para contar".


Contando com a força do texto de Jeff Whitty, um cenário caprichado de Rogério Falcão e um trabalho impecável de Zé Clayton na coordenação e manipulação dos bonecos, a peça é uma das melhores coisas que pintou no Brasil nos últimos anos (não à toa está de volta em uma nova temporada aqui no Rio de Janeiro).


Para quem é fã de programas como Vila Sésamo e curte os muppets criados por Jim Henson é a pedida ideal para o fim de semana.


terça-feira, 15 de junho de 2010

Música: "Mothership", de Led Zeppelin



A minha alma é rock (não sei se já disse isso aqui no blog... Caso não não tenha dito, fica aqui esclarecido!). E graças a um único motivo: a banda Led Zeppelin, que chegou aos meus ouvidos muito antes de qualquer informação ou mera referência que eu tenha recebido sobre os Beatles, The Who ou Rolling Stones. Havia algo na química composta por Jimmy Page, John Bonham, Robert Plant e Companhia ltda que me enlouqueceu logo de cara, quando aos 13 anos eu ouvi Dazed and Confused no colégio e toda aquela psicodelia proposta pelo grupo que seria replicada (ou, pelo menos, tentada por outras bandas) ao longo dos anos posteriores.


Por isso, é com imenso prazer que ouvi - atrasado, confesso, mas nunca é tarde para admirar coisas boas - esse Mothership, coletânea com o maiores sucessos da banda ao longo da iluminada carreira. Foi uma experiência memorialística, mas no fundo inovadora, pois há sempre algo de enigmático até mesmo em coisas vastamente conhecidas (não sei se vocês, leitores, partilham da opinião desse tresloucado blogueiro).


Um álbum para ser admirado infinitas vezes, dentre as quais destaco, como momentos apoteóticos, as faixas Whole lotta love, Rock and roll, Black dog, Stairway to heaven, Kashmir (que, recentemente, teve uma regravação muita boa na voz de Puff Daddy incluída na trilha sonora do filme Godzilla, de Roland Emmerich) e The song remains the same (que foi título de um DVD homônimo com um show da banda dos mais fantásticos e que também indico para os fãs do lendário grupo). E isso só pra começar!


Composta de dois CDs, Mothership arrepia mesmo àqueles que não são roqueiros fanáticos, por sua musicalidade e estética apurada. Altamente indicado para ouvidos elétricos e estereofônicos.




sexta-feira, 11 de junho de 2010

TV a Cabo: "Later...with Jools Holland"



Sempre que a programação da TV a cabo anda fraca eu procuro por opções musicais, seja no Concert Channel (que volta e meia oferece boas opções de entretenimento) como na HBO Plus, que costuma aliar filmes e atrações culturais e esportivas em sua grade polivalente. Uma opção a que sempre recorro costumeiramente é Later...With Jools Holland, um cara que eu poderia perfeitamente chamar de o Jô Soares americano, se o seu programa não fosse um pouco mais do que um mero talk show.


Apresentando a cada programa artistas dos mais diversos pontos do mundo (Seu Jorge e Nação Zumbi foram duas atrações nacionais que já deram as caras no programa), ele mescla com entrevistas inusitadas e números de palco uma quase versão minimalista e mais elitista do antigo programa Globo de Ouro, que passava nas noites de sábado da Rede Globo nos anos 80.


Funk, rock n' roll, hip hop, jazz, blues, house, tecno, o que você imaginar pinta no programa de Jools Holland. E o apresentador é um figuraça! Irônico, sempre disposto a tirar as declarações mais bombásticas de seus convidados, ele incita a plateia a entrar no clima. E ela entra. Sempre.


Um programa sempre válido para os fins de noite em que o televisor muitas vezes teima em fazer o papel do inimigo, querendo desesperadamente que você vá para cama imediatamente. A partir de agora, não vá! Aguarde mais um pouco que o Jools aparece.


Você não vai se arrepender.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Cinema: "O segredo dos seus olhos", de Juan José Campanella



É impressionante como o passado afeta as nossas vidas (muitas vezes de maneira indestrutível). Ele é como uma espécie de aura sempre sobrevoando ao redor de nós, testando nossos limites, nossa força, nossa fé, quase uma visão perturbadora do fim dos dias. E nós, reféns desse sentimento, nada podemos fazer senão querer reencontrá-lo, buscando respostas que ficaram escondidas, em muitos momentos por tempo demais.


Em O segredo dos seus olhos, filme de Juan José Campanella vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro esse ano, parece que nos encontramos - em todas as nossas deficiências morais - no personagem de Benjamín Espósito (Ricardo Darín), um ex-funcionário público aposentado do Tribunal Penal de Buenos Aires que pretender escrever um livro que retrata um caso que investigou no passado e que nunca saiu de sua cabeça. O que ele nunca se deu conta (ou não se interessou por levar em consideração) é aquela história continua marcando os passos de sua vida, mesmo hoje, passadas décadas do "desfecho" do caso.


Desespero, amor perdido, injustiça, abuso policial, tudo se combina nesse thriller investigativo latinoamericano, fazendo com que os espectadores em determinados momentos se sintam sufocados diante de tamanha falta de compaixão e de sucessos interesses escusos.


O filme não é peça fácil, nem prima por grand finales majestosos (marca característica do cinema hollywoodiano, que visa dar sempre esperança de um mundo melhor para o público). Aqui, o que está em jogo é a covardia humana que sempre se manifesta através de um interesse mórbido por reavivar o que não tem mais jeito ou resposta, mas mesmo assim o perseguimos com unhas e dentes, como uma espécie de muleta, achando que com isso traremos conforto a nossa desesperança. E para isso, esse ensaio à nostalgia serve como excelente ferramenta.



sábado, 5 de junho de 2010

Humor: "Como se tornar o pior aluno da escola", de Danilo Gentili



Encontrado numa prateleira abandonada da livraria saraiva, folheio as páginas com a certeza de estar diante de um desperdício de tempo e, principalmente, dinheiro (por parte da editora que publicou aquele atentado à literatura). Entretanto, surpreendo-me com a genialidade do autor. Foi até agora a surpresa do ano, pois é preciso coragem para criar, mesmo quando o assunto parece o menos atrativo possível (pelo menos, à primeira vista).


Como se tornar o pior aluno da escola é praticamente uma pequena obra-prima do mundo meio nerd meio emo em que vivemos. Em pouco mais de cem páginas o humorista Danilo Gentili, do programa CQC: custe o que custar, apresenta toda a sua verve e humor ácido, dando dicas de como se tornar o aluno mais detestável de qualquer escola que se preze. Até mesmo o adesivo de "impróprio para menores de 18 anos" colado na capa do volume que eu estava lendo é, por si só, uma grande provocação aos leitores.


Misturando de teorias conspiratórias e normas de (anti) conduta até planos geniais sobre como colar, como faltar a aula, como bajular os professores, entre outras artimanhas as mais inusitadas, o exemplar mal escrito - como o próprio autor defende em determinado momento da trama (se é que dá pra chamar esse compêndio de ideias estapafúrdias de trama!) - atinge a todos os gostos e faz com que até mesmo os alunos mais comportados sintam invejam de não terem seguido os passos desse gênio da contraditoriedade.


Para ser esmiuçado com prazer (P.S: para os que têm filhos em fase de pré-adolescência, favor avisar os rebentos de que tudo não passa de mera ficção).


Ou será que não?

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Quadrinhos: "Local: ponto de partida", de Brian Wood e Ryan Kelly



Num mundo contemporâneo onde todos (e que fique bem claro o conceito de todos!) vivem de aparências, onde tudo é frágil e nada satisfaz por um tempo duradouro, Local: ponto de partida - produzida pela dupla Brian Wood e Ryan Kelly - mostra um pouco dessa contradição humana, desse desejo de fuga eterno pelo qual essa atual geração faz tanta questão de trilhar.


A partir de romances um tanto suspeitos, flertes obscuros, brigas entre irmãos por herança, colegas de apartamento que nada mais desejam do que dividir as contas, fazendo de suas vidas pessoais um mistério quase impossível de se decifrar, a dupla de artistas transita pelas obsessões de uma geração que nada mais deseja, no fim das contas, do que ser uma incógnita.


A ambição de mudar a qualquer custo - de casa, de emprego, de namorado, de existência, enfim, de se repaginar a cada segundo, como se isso fosse uma prática saudável - faz da revista um entretenimento por vezes perturbador, mas sem perder a classe e a curiosidade latente que define os autores.


Certamente uma boa dica para aqueles mais confusos, que estão sempre em busca de respostas, aflitos, sem saber ao certo onde irão parar suas vidas, caso esse interesse incontrolável de se reiventar não tenha fim.