quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Cineastas: Martin Scorsese



Se Martin Scorsese tivesse se tornado padre como queria e era interesse de seus pais, será que teria sido um grande clérigo? Dúvidas à parte, a grande verdade é que sua cinematografia nunca deixou de render homenagens (ou críticas) ao modelo religioso que conheceu quando criança lá pelos idos da década de 50. O menino que conviveu num bairro onde criminosos, punguistas e prostitutas eram parte do cartão-postal do lugar e que estudou na Escola de Cinema de Nova York, aprendeu realmente a fazer filmes quando realizou a película Boxcar Bertha - lançado no Brasil como Sexy e Marginal - trabalho em que decifrou os segredos de se filmar rápido e gastando muito pouco. E verdade seja dita esse aprendizado aliado a paixão pelo Neo-Realismo italiano e a amizade com Brian de Palma (que lhe apresentou o ator Robert de Niro, ator-assinatura definitivo de seus principais filmes) marcaram definitivamente sua carreira.

Seu início se dá com Quem bate à minha porta?, em 1968, mas a glória e o reconhecimento só começariam a despontar realmente cinco anos depois com Caminhos Perigosos, onde começa sua parceria com De Niro, e com o antológico Taxi Driver, que trazia uma pequenina Jodie Foster começando a carreira ainda na pele de uma prostituta. Em 1977 o primeiro fracasso: o musical New York, New York, que quase foi a tampa no caixão de uma carreira até então bem sucedida. O resultado do filme foi tão abaixo das expectativas que Scorsese entrou numa depressão nervosa e teve de se afastar dos sets por três anos. Contudo, sua volta foi gloriosa com Touro Indomável, onde retrata a saga do pugilista irracional Jake La Motta. Uma produção até hoje considerada injustiçada, na opinião de vários críticos de renome, por não ter levado o Oscar de Melhor Filme na época.

Entre 1983 e 1985 Scorsese envereda pelo humor (de viés negro, é bem verdade!) e faz dois de seus melhores filmes menores: o anárquico O Rei da Comédia (com participação do humorista Jerry Lewis) e Depois de Horas (uma pequena obra-prima urbana até hoje subestimada pela crítica). Passada essa fase realiza duas produções que poderiam ter rendido melhores comentários e bilheterias, mas que acabaram compondo dentro da filmografia de Scorsese sem muito brilho: A Cor do Dinheiro (que contou com a dupla de astros Paul Newman e Tom Cruise) e a adaptação do polêmico romance bíblico de Nikos Kazantzakis A Última Tentação de Cristo (com Willem Dafoe como protagonista). Chegam aos anos 90 e o diretor volta aos dramas de máfia com Os Bons Companheiros (1990) e Cassino (1995), ambos baseados em romances de Nicholas Pillegi, além de fazer sua primeira incursão no suspense com Cabo do Medo, outra produção que sofreu críticas severas no período em que foi lançada.

Depois dos inexpressivos Kundun (que contava a história do Dalai Lama) e Vivendo no Limite (com Nicolas Cage na pele de um motorista de ambulância que ouve e vê os pacientes mortos que compõem a sua rotina diária), o diretor se volta para seu projeto mais ambicioso: o épico Gangues de Nova York, em gestação por mais de duas décadas, e apresenta a Hollywood o seu novo pupilo, o jovem e talentoso Leonardo Dicaprio (que lhe foi apresentado por De Niro, que trabalhou com o rapaz no filme O Despertar de um Homem). Com ele também realiza O Aviador, baseado na vida do milionário Howard Hughes, Os Infiltrados e o recente suspense penitenciário Ilha do Medo, adaptação do romance Paciente 67 do escritor Dennis Lehane.

Atualmente o cineasta divide sua atenção entre inúmeras tarefas: a pós-produção de seu mais novo longa, dessa vez estreando no gênero infantil, A Invenção de Hugo Cabret (com presença de Jude Law e Ben Kingsley no elenco), a finalização de seu mais novo documentário sobre a vida do Beatle George Harrison, administrando sua Film Foundation, uma organização não lucrativa criada por ele e dedicada á preservação de filmes mudos e ainda arranja tempo para produzir para o canal a cabo HBO a série televisiva Boardwalk Empire, sobre o período da Lei Seca, sucesso de crítica e audiência. Entre seus próximos projetos constam uma cinebiografia do cantor Frank Sinatra e um projeto que tem tudo para ser o grande filme do século XXI: The Irishman, filme de gângster que reunirá o trio Al Pacino, Robert de Niro e Joe Pesci.

O que mais a mente sórdida, analítica e perfeccionista de Scorsese aprontará para o público sedento por suas tramas cheias de corrupção e malícia? O que poderemos esperar desse menino que quase virou católico fervoroso? O tempo dirá. Mas que deixará a plateia de boca aberta, disso não há a menor dúvida.

Trailers:

Taxi Driver:
Os Bons Companheiros:
Caminhos Perigosos:  
Cassino
         

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Quadrinhos: "Memória de Elefante", de Caeto.



Não é de hoje que eu me pergunto se a minha vida daria uma história interessante, cheia de reveses, do jeito que o mercado editorial gosta e faz questão de divulgar nas prateleiras das megastores. Provavelmente não. Não sou um rockstar ou um artista plástico underground queridinho da mídia, muito menos um cineasta independente que se tornou cult após realizar alguns curtametragens conceituados pela crítica ou um longa feito com quase nenhum dinheiro que arrebatou platéias no mundo todo. Infelizmente (para mim e, principalmente, para o mercado) sou uma pessoa comum e pessoas comuns raramente - ou melhor dizer nunca? - viram grandes produtos culturais. Já o caso específico de Caeto parece ter agradado a indústria de quadrinhos, tanto que fez de sua trajetória de vida conturbada uma graphic novel consistente em Memória de Elefante.

A história de Caeto é como a de todos os grandes artistas (sem que, no entanto, se diga ao final da leitura que ele se tornou um popstar): uma família complicada, uma existência desregrada, onde o grande barato mesmo eram as baladas, as gatas, a bebida e a drogas, tudo misturado como uma verdadeira hecatombe. E, em meio a todos esses conflitos, as dificuldades de lidar com suas relações amorosas e com parentes que mais parecem sanguessugas. Até que finalmente encontra uma alma gêmea que parece - pelo menos à primeira vista - entender aquele espírito inquieto e está disposta a ajudá-lo a encontrar o seu caminho.

Utilizando-se com grande maestria de metáforas e metalinguagens as mais diversas, tudo muito bem amparado por um traço rápido, em alguns momentos irregular mas proposital, que cai como uma luva para representar esse ícone do desespero artístico, Caeto conta a saga de um indívíduo que, com muita facilidade por parte de algumas pessoas, poderia ser chamado imediatamente de perdedor, mas que no entanto encontrou em sua arte marginal, fruto de suas obsessões e desilusões constantes, uma maneira de encarar os dilemas que atravesssaram a sua vida.

O que se percebe no conjunto da obra é que o autor construiu uma espécie de guia de bolso para artistas em início de carreira que precisam lidar com as frustrações e dificuldades de um mundo que exige em excesso de seus personagens. O artista Caeto (metade pintor, metade cantor de uma banda de punk rock), conforme quadrinizado, é o exemplo perfeito para ilustrar uma geração que vem construindo sua carreira aos trancos e barrancos, sem planejamento algum, e muitas vezes acreditando que apenas sorte é tudo nesse meio. Um trabalho gráfico indispensável na prateleira de quem deseja se inserir nesse mercado sem perder a sanidade e entendendo os percalços (as famosas "pedras no meio do caminho", outrora apresentadas pelo poeta Carlos Drummond de Andrade) que surgirão para nos atrapalhar em algum momento de nossa jornada.


Matéria publicada na Folha Online sobre a HQ:

     
Entrevista com Caeto na Rio Comicon 2010:


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Cinema: "A Rede Social", de David Fincher.


O mercado empresarial mudou (e de forma um tanto drástica). Um cenário que antes era dominado por executivos que desfilavam pelos corredores das megacorporações trajando terno e gravata, agora dá lugar a jovens que mal saíram da faculdade - muitos deles nem chegando a concluí-la ou sequer cursando uma -, enfurnados em moletons amassados, calças jeans e tênis de marca com solado gasto. Porém, o mais interessante nesse quadro não é a estética apresentada pelos personagens e sim a capacidade empreendedora que eles têm de conquistar grandes mercados com ideias aparentemente simples. Esse, meus caros, é o mundo de visionários como Mark Zuckerberg (uma atuação brilhante de Jesse Eisenberg), um nerd de Harvard cujo único talento é programar, programar, programar. Uma rotina até então vazia que se resume a azarar mulheres (não necessariamente o caso de Mark, mas de alguns de seus amigos íntimos) e tirar onda com a cara dos outros, um esporte popular entre os salões da universidade. Até que, junto com seu colega de quarto, surge a ideia de se criar algo diferente que conquiste os alunos do campus, que invada seu mundo, torne-se familiar para eles. Um misto de fórum de ideias com site de relacionamentos. Nascia ali o Facebook. E junto com ele muita discórdia e brigas na justiça.

Em A Rede Social, o diretor David Fincher, já conhecido do público brasileiro por pegar temas polêmicos para trabalhar em seus filmes (quem não se lembra do hoje antológico Clube da Luta que repercutiu até numa tragédia num cinema de São Paulo, ocasionando vítimas fatais?) envereda dessa vez pelas brigas políticas envolvendo a criação de uma das empresas mais bem sucedidas dos últimos anos. E no meio de toda essa luta o que se percebe é que, independentemente de quantos foram os criadores dessa galinha dos ovos de ouro, não existe em todo o confronto um elemento que deveria ser indispensável num mercado e numa criação empresarial como essa: maturidade. O que se vê ao longo de toda a película é uma batalha entre crianças exibindo o seu desejo de mostrar quem tem mais direito a manusear o brinquedo - ou o videogame, como bem define em certo momento da trama a personagem Erica Albright, eterna paixão de Zuckerberg, que ele fez questão de jogar pela privada em nome de uma brincadeira maldosa).

Se a criação de um site como esses já é complicada o bastante para desgastar a relação entre Zuckerberg e seus parceiros de empreitada Eduardo Saverin (Andrew Garfield) e os irmãos gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss (Armie Hammer), membros de uma fraternidade que já era por si só expressão máxima da segregação acadêmica, quando o empresário e ex-criador do Napster, Sean Parker (Justin Timberlake) percebe na novidade internética a chance de regressar ao topo do sucesso e decide entrar como sócio no negócio, toda a relação que já era tensa torna-se insuportável, levando a demissões e a consequente abertura de processo por direitos autorais. 

A trilha sonora eletrônica de Trent Reznor e Atticus Ross e o roteiro velocíssimo e afiado como um machado, escrito por Aaron Sorkin, dão o tom perfeito para acompanhar a saga desses meninos-gênios que falam tão rápido quanto um computador de última geração é capaz de processar dados à velocidade da luz. Assistir o filme me fez rever conceitos que eu já havia presenciado anteriormente na produção O Bom Pastor, dirigida pelo ator Robert de Niro. Refiro-me ao clã secreto do qual o protagonista vivido pelo ator Matt Damon fazia parte antes da criação da CIA. Um mundo sórdido, onde não haviam regras pré-definidas, caráter ou mesmo normas de conduta. Tudo não passava de mera demagogia e abuso de poder por parte de uma elite minoritária. Em poucas palavras: um jogo. Aqui o que se enxerga nas entrelinhas do roteiro é que a mentira e a trapaça se transformaram num grande entretenimento nas mãos desses adolescentes que querem, nada mais nada menos, do que brincar de Deus. E que a tal rede social que eles criaram é apenas uma desculpa para que o ser humano tenha, a cada dia mais, dificuldade de admitir que está mais sozinho do que nunca. 

"Mas isso não importa", parecem dizer os diálogos desses personagens, "se há dinheiro na minha conta, o resto se compra fácil. Até mesmo amigos. É só uma questão de tempo".

Trailer:
     

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Literatura: "Bussunda - a vida do casseta", de Guilherme Fiúza.


Fazer rir nem sempre é a coisa mais adorável do mundo. E se levarmos em consideração a vida de Cláudio Besserman Vianna, o lendário Bussunda, personagem inesquecível da trupe do Casseta e Planeta, veremos que essa máxima é a mais pura verdade. Bussunda foi um cômico à frente do seu tempo: muito mais do que simplesmente fazer as pessoas caírem na gargalhada, ele ousou, arriscou, enfrentou barreiras que nem todo artista do seu quilate enfrentaria, em alguns casos pondo amizades até então eternas na berlinda. Tudo em prol da arte. Era isso que fazia de sua criação um divisor de águas na televisão brasileira. E para o escritor Guilherme Fiúza, autor da excelente biografia Bussunda: a vida do casseta, ele era muito mais do que isso, pois se tratava de um reacionário.

Ao longo das páginas muito bem defendidas por um prosa inteligente e sem deixar de alfinetar certas figuras do ideário cultural brasileiro, o que se percebe desde o primeiro parágrafo da obra é que era meramente impossível dissociar a imagem de Bussunda dos demais cassetas. Eles eram como um bloco compacto, sempre discutindo ideias, apresentando propostas e fazendo badernas - uma especialidade do grupo - juntos. Até porque o "rapaz que não servia para nada e só podia ser Bussunda na vida" jamais deixaria de lado seus comparsas, com quem vinha convivendo e tramando artimanhas desde os tempos de faculdade.

Peças no teatro que mais pareciam um atentado a sanidade mental e ao pudor das pessoas, revistas e pasquins que cobriam (para não dizer furavam os olhos) a moral vigente na época, com todas as incorreções políticas a que tinham direito, roteirista do programa TV Pirata, um dos maiores sucessos de audiência da história da televisão nacional e apresentador do Casseta e Planeta Urgente, primeiro grupo de humor a cobrir uma Copa do Mundo in loco. Isso só para começar. A vida de Bussunda era uma montanha-russa com direito a muitos loopings e adrenalina em demasia. Entretanto, que caiam na real aqueles que pensam que o comediante e o grupo agradaram a toda a torcida do Flamengo (time do coração do humorista). Pelo contrário: houve muitos processos, ídolos - como Zico - que chegaram a se ofender com certas brincadeiras que passaram do tom, entre outras desavenças. Contudo, ser contraditório fazia parte da gênese daquele palhaço dos tempos modernos.

Entre imitações de artistas e atletas os mais diversos - a de Ronaldo Fenômeno agradou até mesmo o próprio jogador - e alter-ego do Presidente Lula em suas sátiras ao mundo político (uma interpretação que virou sua marca registrada), Bussunda foi conquistando plateias ao redor do país, sem esquecer de tirar sarro com alguém sempre que tinha chance. Em contrapartida, o livro aborda nas entrelinhas, para aqueles que lerem atentamente, uma clara alfinetada ao surgimento do grupo como prenúncio do besteirol que iria se alastrar pelos programas de humor nos anos seguintes, tanto na emissora dos cassetas quanto nas concorrentes. E nem todo mundo ficou feliz com essa "novidade amarga". Uma prova clara de que não se trata apenas de um simples livro-homenagem, com a proposta de apenas narrar os momentos gloriosos do artista, uma persona única que não levava nada a sério.

Ao fim das pouco mais de 400 páginas, o leitor termina extasiado e profundamente satisfeito pela grata surpresa oferecida pelo livro. O retrato de um gênio cuja única coisa que jamais imaginou que seria na vida era um gênio. "Resumir Bussunda em poucas palavras", parece dizer o autor, "pode até ser bastante simples, vide sua irreverência constante. A grande questão é: como explicar que ele tenha feito tanto sucesso com tão pouca ambição?". Esse, certamente, é o maior legado deixado por esse registro investigativo dos mais elaborados.

 

sábado, 11 de dezembro de 2010

Animação: "Os Simpsons", de Matt Groening



Em frente a TV, assistindo pela centésima vez (ou seria a milésima? sei lá... já perdi a conta) a um episódio dos Simpsons, paro no tempo por alguns segundos e fico me perguntando: o que seria do mundo se essas criaturas geniais não existissem? Definitivamente, Matt Groening é um dos maiores gênios da humanidade. Conseguir fazer uma série de animação se manter no ar por 21 anos - que serão comemorados no próximo dia 17 - não é uma tarefa para qualquer um. Acompanhar a vida de Homer, Marge, Bart, Liza e Meg já se transformou numa espécie de terapia para milhares de pessoas ao redor do mundo. "E por quê?", vocês me perguntarão. Simples: porque nossas vidas estão ali, descritas com exatidão, mesmo que resguardadas as diferenças culturais entre um país e outro.

A grande diferença entre Springfield (a louca terra mágica onde esses personagens habitam) e outras cidades ficcioniais famosas, como Gotham City, Metrópolis, a Sucupira de Odorico Paraguaçu na antológica novela O Bem Amado, Hogwarts e tantas outras, é que ela não se esconde muito menos se traveste de mundo surreal, fantástico, não cria realidades alternativas nem tenta ser algo diferente daquilo que vemos na vida real. Em Springfield, tudo o que vemos na rua está ali, representado sem máscaras ou fantasias: as discussões de vizinhos, o bate-papo de bar, as diferenças religiosas, os conflitos existenciais, a polícia preguiçosa, que não faz o seu trabalho direito e só está preocupada com mundanices, os imigrantes, as adversidades e moralismos de se manter um casamento, os dilemas da adolescência. Tudo sem rodeio, sem desculpas esfarrapadas.

Ao longo dessas duas décadas muita polêmica rondou a série, principalmente quando os produtores decidiram rodar episódios em que a família Simpsons visita outros países (no episódio que se passa no Rio de Janeiro, houve muita controvérsia a respeito da maneira como os criadores do programa viam o caráter da população e o way-of-life nacional: uma cidade infestada por bandidos e por pessoas se prostituindo por qualquer motivo). Isso sem contar as discussões em torno das aberturas de alguns programas, que já trouxeram temas fortes como racismo, exploração de menores, abuso de poder por parte das grandes empresas multinacionais - como apareceu, recentemente, numa abertura realizada pelo artista plástico Bansky - até o recente quiproquó envolvendo até mesmo o nome da própria empresa realizadora do projeto: a Fox Film.

Batalhas internas à parte, o grande barato de acompanhar a saga dessa família tresloucada é a facilidade com que conseguem se apropriar de fatos ocorridos na cultura pop e de notícias de grande repercussão na mídia e dar a esse material uma interpretação toda particular. De Justin Timberlake rasgando a blusa da cantora Janet Jackson na final do Super Bowl a participação corrente de personagens criados em cima de celebridades de Hollywood (que chegam, algumas vezes, a ser parte imprescindível na trama), não há limites para a coragem e a inventividade da equipe de criação, que deve passar um bom tempo fuçando as novidades que rolam no mundo real (das mais amenas às totalmente escabrosas) que sejam viáveis na ficção animada.

Em linhas gerais, assistir a série  - por mais que pareça exagerado o que eu vou dizer agora - é assistir a um pouco da sua própria vida, com todas as dificuldades e vitórias que aparecerão ao longo do percurso. Sempre me perguntam com qual membro da família eu mais me identifico e sempre digo que é o Bart, o filho rebelde, pela naturalidade com que ele faz certas coisas que eu jamais conseguiria fazer e, por outro lado, meus amigos estão sempre me dizendo que eu pareço por demais com o Homer, chefe da casa (e não somente pelo visual estético, mas também pelo lado responsável dentro de toda aquela irresponsabilidade e pelo jeito franco e espontâneo com que encara qualquer situação). E é pela facilidade de relacionamento que eu mantenho com essa família e com a animação de uma forma geral, que fica fácil expressar aqui o quanto considero a franquia uma das melhores atrações que a televisão americana ofereceu em toda a sua história.

Trailer de Os Simpsons - 3D:
Abertura (feita pelo artista plástico Bansky):
Os Simpsons no Brasil (em inglês):


       

     

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Musas: Charlize Theron



Provavelmente o ditado mais famoso do mundo é aquele que diz que "beleza não pôe mesa". As pessoas, de forma geral, estão sempre tentando afastar estética e talento, como se ambas andarem lado a lado fosse uma tarefa impossível. Aqueles que dizem isso certamente não conhecem a nossa musa de hoje: a atriz sul-africana Charlize Theron. De modelo aos 16 anos, após ganhar um concurso em sua cidade natal (indo trabalhar para a agência Pauline's) e uma prematura carreira como dançarina, interrompida por uma lesão no joelho aos 19 anos, a hoje mensageira da paz das Nações Unidas foi um longo percurso cheio de reviravoltas. Porém, sua grande chance como artista viria mesmo após fazer uma cena diante de um caixa de banco quando foi descontar um cheque, logo atraindo a atenção de um descobridor de talentos.

O ativismo e a polêmica sempre fizeram parte de sua vida: seja por presenciar a mãe matando (em legítima defesa) o pai, que a agredia constantemente, seja envolvida em organizações em defesa dos direitos da mulher, na luta pró-aborto, em favor do casamento gay e como membro ativa do PETA (de defesa aos animais). Sua estreia no cinema em 1985 - com míseros 10 anos - num filme B chamado Children of the corn III, mesmo numa participação sem fala e por poucos segundos, foi o necessário para agradar os produtores de hollywood, o que lhe renderia papeis nos filmes Contrato de Risco, de John Herzfeld e The Wonders: o sonho não acabou, de Tom Hanks.

Meu primeiro contato com um filme em que trabalhou foi, em 1997, no misto de suspense e ação O Advogado do Diabo, de Taylor Hackford, em que faz a esposa do personagem protagonista cujo pai é nada menos do que o diabólico Lúcifer, interpretado pelo ator Keanu Reeves. Entre 1998 e 2002, participa de uma série de longas de aventura e dramas pessoais, onde destaco o romântico Regras da Vida, de Lasse Hallstrom (fazendo par com Tobey Maguire), Homens de Honra, de George Tillman Jr, onde acaba ofuscada pelo duelo de atuações entre os atores Cuba Gooding Jr e Robert de Niro e o comovente e profundo Doce Novembro, de Pat O'connor, quando realmente começou a chamar minha atenção em papeis mais pesados e de construção narrativa mais pesada, na pele de uma mulher marcada por uma doença incurável e relacionamentos de curta duração em demasia.

O ano de 2003 seria o início de sua apoteose com o Oscar de melhor atriz ganho por sua interpretação da serial killer Aileen Wournos no filme Monster: desejo assassino, de Patty Jenkins. Nos anos seguintes, se destacaria como Britt Ekland em A vida e a morte de Peter Sellers, de Stephen Hopkins (com belíssimo trabalho de Geofrey Rush no papel-título) e como Josey Ames, primeira mulher a vencer um processo por assédio sexual nos EUA em Terra Fria, de Niki Caro. Seus últimos personagens, a heroína Mary de Hancock, sátira de Peter Berg, a fútil Sylvia de Vidas que Cruzam, de Guillermo Arriaga e a quase inexistente aparição na ficção-científica A Estrada, de John Hillcoat, não lhe renderam boas críticas, o que vem gerando comentários nos tablóides de que é hora de mudar os rumos de sua carreira.

Seu último projeto finalizado é a animação Astroboy e está cotada para participar de Mad Max: Fury Road, reboot da clássica franquia eternizada no cinema pela dupla Mel Gibson e George Miller. Um projeto que vem sofrendo com sucessivos atrasos e cancelamentos os mais diversos. Além disso, rumores atestam que Charlize pode vir a compor o elenco do terceiro longametragem de Batman, dirigido por Christopher Nolan, na pele de uma soçialite. Entre altos e baixos, ninguém nega o talento (e a beleza, é lógico!) de Charlize Theron. Uma prova mais do que viva de que aquele ditado que começou esse texto muitas vezes não está com nada. Em algumas ocasiões (como esta, por exemplo) ele até atrapalha.

 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Música: "MTV Acústico", de Cássia Eller.



Depois de terminar de ler a biografia "Apenas uma garotinha" sobre a vida da cantora Cássia Eller e retomar o contato com seu trabalho musical, percebi facetas da artista que, até então, nunca tinha me dado conta. Cássia era múltipla: pop, rock, forró, mangue beat, rap, funk, reggae, Beatles, Nirvana, uma mistura infindável de estilos os mais diversos. E era dessa diversidade a serviço de uma voz poderosa que conhecemos uma das performers mais geniais da recente MPB. E, para infelicidade dos fãs,  um talento que nos abandonou prematuramente, no auge de sua competência artística e totalmente ciente do que ainda poderia oferecer como cantora e instrumentista. Porém, como nem tudo são lágrimas e desespero, também é verdade que Cássia Eller nos deixou um legado a ser admirado sempre que possível. E esse legado é o CD e DVD MTV Acústico.

Gravado de forma intimista - um formato em que, se tratando da artista (avessa a intimidades e aparições) - já é por si só uma grande inovação, Cássia ousa, ruge, brinca, blefa, incita, faz o público tremer, chorar, sorrir, cantar e endeusá-la a máxima categoria de diva. O que ela, sem sombra de dúvidas, merece. E o grande mérito do sucesso desse disco está na escolha do repertório, verdadeiro pout-pourri das influências da cantora. Num universo que vai de Chico Buarque a Riachão, de Renato Russo a Nando Reis (seu parceiro mais frequente nos últimos anos) de Cazuza a Chico Science, a artista enlouquece a plateia com sua voz ácida e muito bem definida, perfeita para o que o projeto tem como propósito.

Difícil eleger as favoritas de um álbum que é praticamente perfeito, mas vale a pena enaltecer a abertura com Non, Je ne regrette rien (obra máxima consagrada mundialmente pela voz exuberante de Edith Piaf), Malandragem, a inusitada Vá morar com o Diabo, Por Enquanto, O segundo Sol, o eterno clássico beatlemaníaco Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e o fechamento em altos decibéis e bem ao estilo da cantora com Top Top. Contudo, exaltadas as faixas acima, esse MTV Acústico é trabalho sólido e certamente vale, de forma integral, por seu conteúdo coeso e muito bem distribuído.

Resumo da ópera: lembro de quando li pela primeira vez um livro de poesias de Paulo Leminski. Meu mundo mudou completamente! E isso tinha um motivo muito claro de ser: Leminski conseguia ser muitos dentro de um só. Ele era uma versão pop de todos os heterônimos de Fernando Pessoa num só indivíduo e assinando apenas como um. Toda vez que ouço o MTV Acústico de Cássia Eller - até hoje, para mim, o melhor de toda a série que foi produzida - tenho essa mesma dimensão: a de estar diante de muitas mulheres e seus dilemas interiores dentro de uma só pessoa. No caso, uma menina tímida, fechada em si mesmo, frágil, cujo único lugar em que se sentia em paz consigo mesma e era capaz de ser verdadeira, sem recalques, era no palco. E que falta essa menina está fazendo atualmente!

Momentos máximos do show: