quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Animação: "Peanuts", de Charles M. Schulz



Vejo as filhas das minhas primas sentadas na sala de casa assistindo televisão, olhinhos vidrados na tela de LCD que exibe, intercaladamente, Ben 10 e Pucca (sabe como é criança quando tem controle remoto nas mãos, não é mesmo?). Enquanto os personagens pulam, gritam, cantam, entre outras façanhas, elas gesticulam uma para a outra, falam em voz alta, como se as figuras animadas pudessem respondê-las, chamam os adultos, quem sabe na vã ilusão de que eles lhes expliquem alguma coisa que elas, à primeira vista, não entenderam. Como se os adultos tivessem todas as respostas na manga! E nesse momento tenho uma síncope biográfica (eu e os meus termos loucos: estou ficando especialista neles...). Penso comigo mesmo: "Eu já fui assim, desse jeito. E os culpados eram Snoopy, Charlie Brown e sua turma". Quanto tempo!

No tempo em que o SBT era o canal trash mais assistido da televisão brasileira (eu já não disse isso num outro post? Não? Então deixa pra lá... É velhice mesmo) havia, volta e meia, horários específicos voltados para faixas etárias determinadas. Dentre esses horários, a programação infantil era farta e a criançada se refestelava no sofá para acompanhar pérolas como Pica-Pau, Tom e Jerry, Mr. Magoo, Pantera cor de rosa - que hoje até pouco tempo ainda assistia na programação da madrugada no canal a cabo Boomerang - Droopy, Corrida Maluca e outras feras. Dentre essas outras feras, o meu favorito era sempre Snoopy (Peanuts, no original), criação do cartunista Charles M. Schulz. Bastava que o narrador dos estúdios Magga (preciso me lembrar de falar desses gênios aqui em breve!) falasse "Snooopy" e a festa começava. Eu, que já não era criança pequena naquela época já ficava doido, imagine então os pequerruchos de plantão.

Schulz é, a meu ver, o maior criador de tipos infantis que eu já pude conferir em toda a minha vida de espectador de desenhos animados. Conseguiu através de retratos muito bem humorados e inocentes, contar um pouco da história das aflições da América e, por que não dizer?, do mundo. Iniciada em 1950 a revista homônima trazia em suas páginas um universo pós-Segunda Guerra Mundial sem que isso fosse escancarado nas vidas daqueles personagens (até porque se tratavam de crianças e não de soldados que voltaram combalidos do front). Tudo estava ali: implícito, medido, e as animações que surgiriam anos mais tarde replicariam essa postura de forma brilhante, mas sem perder a ternura.

Charlie Browm, o garoto frustrado, que nunca dava uma dentro, péssimo em todos os esportes, não tinha namorada, verdadeiro fracasso como criança; Lino, o amigo que melhor o entendia, quando não estava chupando o dedo abraçado ao seu amigo inseparável: o cobertor; Lucy, a mais exibida de todas as garotas, sempre querendo dar a última palavra sobre tudo, apaixonada pelo músico e interiorizado Schroeder que não abdicava de seu piano um minuto sequer do dia; Bete Pimentinha, sempre acompanhada de sua amiga Márcia (e seus "Ô meu" pra lá e pra cá), versão hippie mirim, azucrinando Charlie Brown a quem nunca chamava pelo nome, mas por minduim; o chiqueirinho, o Cascão versão EUA, a irmã histérica de Charlie, a professora a quem só se ouviam os ininterruptos blá-blá-blás em alta voz, um claro sinal de esporro aos alunos, de que alguém tinha feito algo errado; o passarinho Woodstock, responsável por muitos dos momentos antológicos do desenho, pois suas cenas eram sempre acompanhadas de músicas majestosas (em sua grande maioria, óperas de renome); e, finalmente, Snoopy, o dono da festa de fato.

Impossível falar do beagle mais engraçado de todos os tempos que não seja num parágrafo à parte. Seja como pizzaiolo versátil, vendendo limonada, dando conselhos sentimentais às meninas (principalmente Lucy) em sua barraquinha improvisada, transformando sua casa num avião de combate dos tempos do Barão Vermelho onde as mais terríveis batalhas eram travadas ou disputando queda-de-braço (novamente com Lucy, certamente a maior disputa de poder dentre todos os personagens), Snoopy era um caso fora do normal, provavelmente digno - se alguém assim o fizesse - de um estudo sério e aplicado feito pelomais respeitável dos intelectuais. Ele é a mola-mestra do ritmo ditado pelo seu criador à história que está sendo contada. Era praticamente inimaginável um episódio sequer que não tivesse, pelo menos, um grande bloco com ele (fora os capítulos em que o único personagem do elenco principal a constar era ele). As crianças espectadoras assim o exigiam!

Falar de Peanuts (perdão: Snoopy), portanto, é falar de uma época sem maldade - apesar de, algumas vezes, ter lido em algumas edições da versão em quadrinhos certas sátiras e paródias a assuntos bastante sérios, como separação dos pais, doença na família, morte de ente querido, entre outros debates, mas sempre enfocando na ironia -, quando as crianças brincavam sem tanta exigência e disputas por todos os lados. Ver duas crianças brincando em frente à TV como eu fazia décadas atrás, sem nenhum distúrbio ou guerra em pauta, é motivo certo para aplausos nos dias atuais. "Imagine", me pergunto eu, "essa gurizada hoje assistindo Snoopy e sua turma?". Que pena que certas coisas simplesmente tiveram que ser encerradas.

Alguns episódios clássicos:
http://www.youtube.com/watch?v=-Ep1s0f8LDA (Feliz Ano Novo, Charlie Brown)



   

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