quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Cinema Cult: "Rede de Intrigas", de Sidney Lumet



Desde que a televisão foi criada com o propósito de se tornar uma caixa mágica, sedutora, capaz de oferecer sonhos para seus espectadores, a sociedade passou por um processo de decréscimo intelectual gigantesco. Nunca se preferiu tanto a alienação ao conhecimento como nos atuais tempos caóticos em que vivemos. Contudo, sempre fiquei me perguntando: "E antigamente? Como se dava essa influência? O que os antigos produtores das redes de TV e corporações de mídia faziam para atrair seu público e mantê-lo devidamente adestrado em frente a seus aparelhos, desejando cada dia mais e mais espetáculo, sonhando com mais intensidade do que nunca uma vida de glamour e status como os dos personagens ficcionais?

Rede de Intrigas, de Sidney Lumet, responde a grande parte dessas perguntas (e olha que se trata de uma produção realizada num tempo em que a TV não se escondia atrás de tecnologias de captação de imagem, mujito menos apregoava seu sucesso a selos como HD, 3D ou outros modelos de exibição!). Numa América devastada pela derrota no Vietnã, em que ideologia e valores simplesmente não significam mais nada para a população - um retrato mórbido do "The dream is over", que John Lennon tanto enfatizou em seu discurso pop/rock -, e com a programação televisiva passando a ser o único antídoto contra todo tipo de mal-estar vigente, um homem angustiado e às vésperas de ser demitido decide levantar-se contra os poderosos e o sistema opressor que vigora ceifando vidas como se fossem brinquedos descartáveis. E ele acredita piamente que essa é a única forma de fazer a população cair em si.

Seu nome é Howard Beale (uma magnífica interpretação de Peter Finch), jornalista de rede de mídia UBS que, com suas alucinadas apresentações, informando que se suicidará, condenando as autoridades, expondo falcatruas e escândalos de uma maneira um tanto sarcástica e paranóica, atinge em cheio o interesse do público e, consequentemente, dos gestores da rede, que passam a vê-lo como uma mina de ouro para salvar a emissora da crise financeira. Porém, quando a língua ferina de Howard começa a disparar contra quem não deve (os chamados "intocáveis" do mundo televisivo), os dirigentes começam a perceber que o feitiço pode virar-se contra o feiticeiro e caso não tomem as rédeas da situação o caos instaurado pode ser muito pior do que qualquer pico de audiência, acarretando no fim da própria corporação que patrocinou o espetáculo midiático.

O que se percebe, ao fim das mais de duas horas de filme, é que em pouco mais de três décadas o cenário do mundo corporativo não só continuou o mesmo, como a mentalidade da população piorou - e muito!. Um mercado que continua aproveitando-se de messias os mais diversos e profetas charlatanescos e abusando da má-fé com o público espectador para conquistar suas audiências arrebatadoras e vender produtos os mais diversos, sem se importar com qualquer tipo de ética. Rede de Intrigas é aquele tipo de película que deveria ser obrigatória no curriculum de qualquer instituição de ensino (do fundamental ao universitário), por expor as mazelas construídas a toque de caixa por um grupo seleto de criminosos que se escondem sob o título de "empresários", mas que na verdade, são um dos maiores responsáveis pelo nível de alienação que invade os domicílios diariamente.

Uma produção que deveria atingir a todos, mas que infelizmente, por falta de instrução adequada e de interesse de uma minora covarde, acaba por atingir apenas parcelas irrisórias da população. O que, no final das contas, é uma grande lástima!

Trecho do filme:

5 comentários:

  1. Esse filme é meio assustador. Ele é costuma ser chamado de sátira, mas francamente, quem duvida que os caras do alto escalão defendam seus interesses daquele jeito?

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  2. Uma das obras essenciais dos anos 70.

    Cumprimentos

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  3. Ótimo texto.

    Este filme de Lumet é um exemplo ou melhor, uma visão de como as coisas ainda estavam para piorar na programação das tvs e como a manipulação da massa sempre foi o foco de grande parte da mídia.

    Sobre o filme em si, a interpretação de Peter Finch é sensacional, tendo sido sua última e por onde ele venceu o Oscar de Melhor Ator, mas não recebeu por ter falecido antes da premiação.

    Abraço

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  4. Filmaço! Só não é meu preferido do Lumet por causa de "12 Homens e Uma Sentença". O elenco é absolutamente sensacional.

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  5. Filme premonitório, que antecipa a barbárie televisa a que somos submetidos hoje em dia. Grande Lumet!

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