terça-feira, 2 de novembro de 2010

Opinião crítica: O ridículo venceu (ou notas tardias para o VMB 2010)



Entro na Saraiva Megastore do Norte Shopping pela quinquagésima vez (não dá pra resistir: eu amo livrarias e a capacidade inebriante que elas têm de me conquistar oferecendo tão pouco!) e vejo, entre uma pilha de livros relegados a segundo plano, os chamados saldos - a garotada de hoje só quer saber de Stephenie Meyer e J.K. Rowland - um exemplar curioso: Como a picaretagem conquistou o mundo: equívocos da modernidade, de Francis Wheen. Imediatamente meu desconfiômetro preciso e biológico reage ao que os olhos simplesmente não querem crer que exista nessa seara que é o mercado editorial. "Que livro mais cínico", penso comigo, "típico escritorzinho de meia-tigela que quer ficar famoso a qualquer custo, escrevendo qualquer baboseira". Faz oito meses mais ou menos que essa cena aconteceu e hoje, vencido pelos fatos, confesso aqui nesse blog: o Sr. Wheen é, na verdade, um visionário e quase um profeta! Fomos vencidos pelo ridículo nessa era onde convergência e tecnologia andam de mãos dadas até se você quiser ir ao banheiro.

E o ápice desse meu desabafo tem a ver com a pouco mais de meia hora em que fiquei em frente a TV assistindo ao tão cultuado (hoje as novas gerações podem até chamá-lo de evento obrigatório, que não estarão cometendo nenhuma sandice) VMB ou Video Music Brasil 2010. Dá na mesma, mas o pessoal que é fã e não perde um ano sequer prefere a sigla, tem mais a ver com certos dialetos escritos em redes sociais como Orkut, Facebook, Twitter e outros formatos co-irmãos. Pois bem: falar do VMB é falar do retrato mais bem definido da bizarrice humana na contemporaneidade. Em nenhum outro programa da face da terra você acompanhará uma alcatéia - gosto de comparações com coletivos animalescos - tão grande de inúteis sem conteúdo algum ou simplesmente marqueteiros ridículos profissionais que fazem de tudo (e eu disse de tudo mesmo!) para chamar a sua atenção e, principalmente, conquistar a sua audiência.

Faço uma pausa rápida nesse momento para lembrar do indivíduo internacional mais famoso dessa classe que nasceu nos últimos anos, do homem que praticamente inventou essa profissão do "quero ser famoso a qualquer custo": o ator hollywoodiano Ashton Kutcher. Ele faz misérias - no mau sentido, é claro! - sempre muito bem acompanhado por sua câmera ou celular de última geração. Exibe seu corpanzil sarado pra dar e vender, tira fotos de sua mulher (a outrora exuberante e hoje plastificada Demi Moore) em trajes íntimos ou se despindo, pula na piscina da casa de outros amigos, também celebridades, trajando smoking, em meio a festas badaladas, aparece fumando maconha em lugares públicos, enfim... É o cara que melhor representa essa geração vazia. E o melhor: tudo disponível gratuitamente em seu perfil no Twitter, que lhe rendeu a fama de mais visitado do mundo e que é o verdadeiro Vade-Mécum dos desejos de dez entre dez desajustados de plantão. Por isso, aqui nesse texto ele é referência imprescindível.

Pego o mote desse gênio da idiotice e volto às terras tupiniquins e ao tão fantástico mundo do VMB. Teve de tudo que vocês jamais acreditariam que pudesse existir: Bento Ribeiro, filho do imortal da Academia Brasileira de Letras João Ubaldo Ribeiro, fazendo papel de bêbado e beijando uma mulher gorda na plateia ao saber de sua premiação (lógico que tudo devidamente combinado previamente), Danilo Gantili, repórter do CQC, muito "bem" acompanhado dos lutadores de MMA, verdadeiras enciclopédias de inteligência e humildade do mundo atual, o astro e bad boy do momento, o jogador do Santos Neymar e sua fantástica arrogância e esnobismo afiadíssimo para o evento, cantores os mais inusitados e fora do tom possível, como o pernambucano Otto e o grande vencedor da noite - que eu só fiquei sabendo no dia seguinte ao ler matéria no Jornal do Brasil - a banda Restart, uma mistura de... De quê mesmo? Deixa pra lá. Eu tenho até medo de responder. Sabrina Sato, do Pãnico na TV, que nem lembrava dos indicados da categoria que apresentou, o ícone do You Tube no momento, Felipe Neto, que fez "carreira" falando mal do Fiuk, filho do cantor Fábio Júnior, na internet. "Será que se eu falar mal dele fico famoso também?", me pergunto. Gente. Que festa! E olha que eu acompanhei menos de 40 minutos de espetáculo e já pude conferir todos esses talentos juntos.

Onde fomos parar como seres humanos? Chegamos definitivamente ao fundo do poço? É isso que chamamos de cultura? Ainda dá pra salvarmos nossa sanidade em meio a toda essa megalomania exagerada que invadiu as emissoras de TV, programas de rádio, as ruas, festas, bailes, raves, boates e outros points badalados? Não sei. Essas e muitas outras questões - que deixo logo claro que não são todas apenas minhas, pois alguns colegas tão assoberbados quanto eu quiseram contribuir com suas dúvidas e apreensões também - estão e pelo jeito ainda ficarão muito tempo sem serem respondidas, já que o idiotismo (esqueci de dizer que, de vez em quando, gosto de trabalhar com neologismos também) virou sinônimo ou, se quisermos ir mais além, marca registrada para classificar novos talentos. Talentos esses que eu não vejo, não ouço, não entendo. Só que eu sou um caso à parte. E casos à parte no Brasil normalmente são vistos como pessoas anormais e não viram manchete nos jornais.


Alguns momentos mágicos dessa "festa inesquecível":


6 comentários:

  1. Ótimo texto! às vezes sinto a mesma coisa, quando vemos tantos Kutchers e Restarts e PCSiqueiras sendo vangloriados por tão pouco...

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  2. Eu não assisto mais a MTV! Faz tempo que a emissora deixou de ser o canal que eu assistia na época da minha adolescência.

    Eu acho que o VMB devia passar por uma séria reformulação no seu sistema de votos. Faz tempo que eles não premiam uma revelação verdadeira e de talento da música brasileira. Deveriam voltar aos velhos tempos em que um júri especializado escolhia os vencedores das categorias.

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  3. Só uma interferência: no lugar de "alcatéia" use o nome "rebanho". Essas pessoas não passam de ovelhinhas pastando. O Nelson Rodrigues, acho que a partir dos anos 60, criticava a autoridade com que os idiotas começavam a ganhar quando começavam a babar em suas gravatas no meio das multidões, que infelizmente se formam ao redor deles. Afinal, citando o próprio Nelson, para cada gênio existem milhões de cretinos fundamentais, é um embate notoriamente injusto.

    Com relação a música, bom, enquanto houverem adolescentes haverá consumo de música ruim. Mas acho que muito pior que o Restart, que apesar de não gostar acho inofensível, são esses Felipes Netos, Gentili e essa adoração a imbecilidade pública. De repente um engraçadinho decide se gravar falando um monte de idiossincrasias (que, curiosamente, parecem ser as mesmas de todos os seus espectadores, o que torna a declaração do Nelson infelizmente pertinente) e virando referência, modelo. Há quem ainda os considere "alternativos"! Na mora, alternativo por alternativo, fico com os Garotos Podres: enquanto você fala, vou fazer cocô.

    Abração, amigo.

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  4. Concordo inteiramente com seu texto, são tantos pontos interessantes que fica difícil comentar tudo. Vou citar alguns detalhes.

    Gostei da dica do livro, vou pesquisar sobre ele.

    A MTV quando chegou aqui em 1990 era voltada para clips e por algum tempo teve uma programação interessante, dando espaço para clássicos do rock e pop. Acredito que isso durou uns cinco anos, nos últimos quinze o canal se tornou insuportável para quem não é adolescente e totalmente voltado para consumo.

    Isso é um reflexo da sociedade atual, onde o que importa é consumir o sucesso do momento e como você bem escreveu, vale tudo para ficar famoso.

    Abraço

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  5. Teve um dia que lembrei da minha época de pirralho e das bandas que surgiam na MTV. Charlie Brown Jr, Cpm22 e o Raimundos conseguindo sucesso no país inteiro. A maioria das pessoas mais velhas, olhavam com desdém para essas bandas novas. Tentei então fazer um paralelo com a época atual, mas quando fui comparar as bandas... que decepção. Por mais nasal que fosse a voz do Badaui (cpm22), o conjunto tinha pegada. Hoje temos exemplos como o Restart e o Cine, onde a música passa a ser apenas pano de fundo para o desfile de roupas de mal gosto, cores fortes e atitudes infantis. O VMB morreu junto da MTV.

    No comentário acima, o Hugo falou tudo: MTV se tornou insuportável para quem não é adolescente. Infelizmente.

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  6. olha, o ser humano e as "mídias" estão numa decadência que nem vendo pra crer ... o jeito é esperar que algum dia inteligência e bom gosto seja moda, quem sabe.

    ótimo texto, fera!

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