segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Cinema: "A Rede Social", de David Fincher.


O mercado empresarial mudou (e de forma um tanto drástica). Um cenário que antes era dominado por executivos que desfilavam pelos corredores das megacorporações trajando terno e gravata, agora dá lugar a jovens que mal saíram da faculdade - muitos deles nem chegando a concluí-la ou sequer cursando uma -, enfurnados em moletons amassados, calças jeans e tênis de marca com solado gasto. Porém, o mais interessante nesse quadro não é a estética apresentada pelos personagens e sim a capacidade empreendedora que eles têm de conquistar grandes mercados com ideias aparentemente simples. Esse, meus caros, é o mundo de visionários como Mark Zuckerberg (uma atuação brilhante de Jesse Eisenberg), um nerd de Harvard cujo único talento é programar, programar, programar. Uma rotina até então vazia que se resume a azarar mulheres (não necessariamente o caso de Mark, mas de alguns de seus amigos íntimos) e tirar onda com a cara dos outros, um esporte popular entre os salões da universidade. Até que, junto com seu colega de quarto, surge a ideia de se criar algo diferente que conquiste os alunos do campus, que invada seu mundo, torne-se familiar para eles. Um misto de fórum de ideias com site de relacionamentos. Nascia ali o Facebook. E junto com ele muita discórdia e brigas na justiça.

Em A Rede Social, o diretor David Fincher, já conhecido do público brasileiro por pegar temas polêmicos para trabalhar em seus filmes (quem não se lembra do hoje antológico Clube da Luta que repercutiu até numa tragédia num cinema de São Paulo, ocasionando vítimas fatais?) envereda dessa vez pelas brigas políticas envolvendo a criação de uma das empresas mais bem sucedidas dos últimos anos. E no meio de toda essa luta o que se percebe é que, independentemente de quantos foram os criadores dessa galinha dos ovos de ouro, não existe em todo o confronto um elemento que deveria ser indispensável num mercado e numa criação empresarial como essa: maturidade. O que se vê ao longo de toda a película é uma batalha entre crianças exibindo o seu desejo de mostrar quem tem mais direito a manusear o brinquedo - ou o videogame, como bem define em certo momento da trama a personagem Erica Albright, eterna paixão de Zuckerberg, que ele fez questão de jogar pela privada em nome de uma brincadeira maldosa).

Se a criação de um site como esses já é complicada o bastante para desgastar a relação entre Zuckerberg e seus parceiros de empreitada Eduardo Saverin (Andrew Garfield) e os irmãos gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss (Armie Hammer), membros de uma fraternidade que já era por si só expressão máxima da segregação acadêmica, quando o empresário e ex-criador do Napster, Sean Parker (Justin Timberlake) percebe na novidade internética a chance de regressar ao topo do sucesso e decide entrar como sócio no negócio, toda a relação que já era tensa torna-se insuportável, levando a demissões e a consequente abertura de processo por direitos autorais. 

A trilha sonora eletrônica de Trent Reznor e Atticus Ross e o roteiro velocíssimo e afiado como um machado, escrito por Aaron Sorkin, dão o tom perfeito para acompanhar a saga desses meninos-gênios que falam tão rápido quanto um computador de última geração é capaz de processar dados à velocidade da luz. Assistir o filme me fez rever conceitos que eu já havia presenciado anteriormente na produção O Bom Pastor, dirigida pelo ator Robert de Niro. Refiro-me ao clã secreto do qual o protagonista vivido pelo ator Matt Damon fazia parte antes da criação da CIA. Um mundo sórdido, onde não haviam regras pré-definidas, caráter ou mesmo normas de conduta. Tudo não passava de mera demagogia e abuso de poder por parte de uma elite minoritária. Em poucas palavras: um jogo. Aqui o que se enxerga nas entrelinhas do roteiro é que a mentira e a trapaça se transformaram num grande entretenimento nas mãos desses adolescentes que querem, nada mais nada menos, do que brincar de Deus. E que a tal rede social que eles criaram é apenas uma desculpa para que o ser humano tenha, a cada dia mais, dificuldade de admitir que está mais sozinho do que nunca. 

"Mas isso não importa", parecem dizer os diálogos desses personagens, "se há dinheiro na minha conta, o resto se compra fácil. Até mesmo amigos. É só uma questão de tempo".

Trailer:
     

5 comentários:

  1. "A Rede Social" é um grande filme! Acho que a contundência da obra é ser um grande case sobre uma grande criação. E para isso Fincher faz o estudo do Mark Zuckerberg de uma forma brilhante. Sempre o vemos pelos olhares dos outros...

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  2. Ótimo texto, Pseudo. Mandou muito bem! "A Rede Social" é um filme que engloba diversos assuntos que podem dar um belo caldo de discussão com os amigos no bar, desde o conceito de falsa liberdade que a internet propõe ao usuário até essa questão cada vez mais palpável de jovens empresários e visionários empreendedores. É um filme abrangente, que tem a astúcia - graças ao texto soberbo de Sorkin - de se sair bem em todos estes temas. Um achado!

    E gostei da sua analogia com "O Bom Pastor", outro grande filme.

    abs!

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  3. Eu adorei esse filme e pretendo ver novamente. Achei-o inteligente e Fincher conseguiu torná-lo atraente.

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  4. Achei primordial a forma com que o roteiro não julgou os personagens. E acho que os personagens não são exatamente essa generalização de seu último parágrafo. O que torna Mark tão fascinante é que, enquanto seus colegas estavam atrás do dinheiro, ele queria apenas aceitação, vivendo em seu próprio mundo ao ponto de afastar todos. Grande filme.

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  5. até o momento, é o meu favorito para o globo de ouro em todas as categorias que disputa.

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