sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Quadrinhos: "Memória de Elefante", de Caeto.



Não é de hoje que eu me pergunto se a minha vida daria uma história interessante, cheia de reveses, do jeito que o mercado editorial gosta e faz questão de divulgar nas prateleiras das megastores. Provavelmente não. Não sou um rockstar ou um artista plástico underground queridinho da mídia, muito menos um cineasta independente que se tornou cult após realizar alguns curtametragens conceituados pela crítica ou um longa feito com quase nenhum dinheiro que arrebatou platéias no mundo todo. Infelizmente (para mim e, principalmente, para o mercado) sou uma pessoa comum e pessoas comuns raramente - ou melhor dizer nunca? - viram grandes produtos culturais. Já o caso específico de Caeto parece ter agradado a indústria de quadrinhos, tanto que fez de sua trajetória de vida conturbada uma graphic novel consistente em Memória de Elefante.

A história de Caeto é como a de todos os grandes artistas (sem que, no entanto, se diga ao final da leitura que ele se tornou um popstar): uma família complicada, uma existência desregrada, onde o grande barato mesmo eram as baladas, as gatas, a bebida e a drogas, tudo misturado como uma verdadeira hecatombe. E, em meio a todos esses conflitos, as dificuldades de lidar com suas relações amorosas e com parentes que mais parecem sanguessugas. Até que finalmente encontra uma alma gêmea que parece - pelo menos à primeira vista - entender aquele espírito inquieto e está disposta a ajudá-lo a encontrar o seu caminho.

Utilizando-se com grande maestria de metáforas e metalinguagens as mais diversas, tudo muito bem amparado por um traço rápido, em alguns momentos irregular mas proposital, que cai como uma luva para representar esse ícone do desespero artístico, Caeto conta a saga de um indívíduo que, com muita facilidade por parte de algumas pessoas, poderia ser chamado imediatamente de perdedor, mas que no entanto encontrou em sua arte marginal, fruto de suas obsessões e desilusões constantes, uma maneira de encarar os dilemas que atravesssaram a sua vida.

O que se percebe no conjunto da obra é que o autor construiu uma espécie de guia de bolso para artistas em início de carreira que precisam lidar com as frustrações e dificuldades de um mundo que exige em excesso de seus personagens. O artista Caeto (metade pintor, metade cantor de uma banda de punk rock), conforme quadrinizado, é o exemplo perfeito para ilustrar uma geração que vem construindo sua carreira aos trancos e barrancos, sem planejamento algum, e muitas vezes acreditando que apenas sorte é tudo nesse meio. Um trabalho gráfico indispensável na prateleira de quem deseja se inserir nesse mercado sem perder a sanidade e entendendo os percalços (as famosas "pedras no meio do caminho", outrora apresentadas pelo poeta Carlos Drummond de Andrade) que surgirão para nos atrapalhar em algum momento de nossa jornada.


Matéria publicada na Folha Online sobre a HQ:

     
Entrevista com Caeto na Rio Comicon 2010:


Um comentário:

  1. Olá...
    Sou dono do www.cinemaculura.blogspot.com e vi um comentário seu em um post. Gostei muito de suas matérias! Estou te add nos indicados do Cine Cult.
    Abraços

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