quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Quadrinhos: "Mesmo Delivery", de Rafael Grampá



Dois caminhoneiros, uma estrada, uma carga indecifrável a quem os entregadores sequer podem ver, um trabalho perigoso. A reunião desses poucos elementos já é o suficiente para termos uma história com requintes de crueldade e morbidez. Sem contar o clima dark proposto pelas aves negras sobrevoando as páginas da revista no começo e no fim da história. Rafael Grampá, o quadrinista responsável por esse ácido e forte Mesmo Delivery, é isso: sarcástico, contundente, afiado como uma lâmina. E não tem a menor vergonha de se apropriar de tendências e estilos que vem se consagrando nos últimos anos em várias vertentes artísticas.

Em sua incursão por esse universo roadie ele agrega desde as obsessões tarantinescas até um clímax que lembra, em parte, os contos sobrenaturais do mestre do policial Edgar Allan Poe. E para que não venham me acusar de ter deixado de fora a música, é fácil perceber a influência de canções que vão de Peral Jam a Nirvana, passando por Creedence Clearwater Revival, quando folheamos cautelosamente - essa é uma palavra que precisa ser administrada com cuidado durante toda a leitura - página a página desse espetáculo visual. Seus traços brutos (tanto quanto os músculos de um dos caminhoneiros envolvidos na trama) que nem por isso perdem o rigor e a excelência quando unidos, compõem um conjunto muito bem tecido de cores e linguagem, deixando o leitor sem ar e, ao final da história, desejando mais e mais.

Grampá segue uma linha que tem se tornado referência no quadrinho nacional, principalmente depois da ascensao internacional de nomes como Gabriel Bá e Fábio Moon, que vêm arrebatando prêmios de renome no exterior. E esse estilo tem uma explicação muito fácil de ser definida pelos leitores: eles não tem vergonha de arriscar. Digo isso porque sempre percebi nos quadrinhos brasileiros uma vontade incômoda de parecer tradicionais em excesso (salvo, é claro, exceções lendárias como Henfil Angeli e outras feras de longa data). Já nessa nova geração de autores, ao contrário, não há limites no que concerne a reponder a pergunta: "O que esperar quando se lê um trabalho desses jovens geniais?". E esse é exatamente o grande mérito dessa obra gráfica. É inventiva e faz com que o leitor queira sempre um pouco mais no quadrinho seguinte.

Terminada essa experiência - pois trata-se de mais do que uma simples leitura -, chego a conclusão, como chegarão aqueles que ousarem enfrentar esse desafiador trabalho, de que mais do que mostrar um universo até então desconhecido para os leitores tupiniquins, Mesmo Delivery reinventa a arte gráfica nacional num patamar nunca antes visto na história da nona arte (pelo menos, a parte da história que nos interessa). Diálogos fortes, duros, sem pudor, batalhas sangrentas por motivos torpes ou medíocres, frases de duplo sentido, rixas, apostas e um sentimento misto de niilismo e redenção bem ao gosto do autor (procurem seus outros álbuns. Vale a pena!), que vem se transformando numa das mentes mais criativas - e corajosas - dos últimos anos. E isso por si só já vale uma conferida em sua criação. 


Matéria publicada na Universo HQ sobre Mesmo Delivery:
    
Preview da HQ:


2 comentários:

  1. Descompromissado, hype, cool e com um ritmo muito envolvente. Não à toa o Grampá mereceu ser chamado pra escrever o Wolverine pra Marvel...

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  2. Queria gostar de quadrinhos... Mas, não consigo!

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