quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Opinião Crítica: "O Almanaquismo"



Diversão de criança na minha época era: a) ler histórias em quadrinhos ou b) brincar na rua. "O que fosse mais barato", diziam meus pais. Não havia ainda essa competição grotesca, pode-se dizer, sobre quem iria produzir o melhor videogame: Sega ou Nintendo? Playstation era uma palavra que não tinha significado algum para a minha geração. Está certo! E aí você dirá: "Mas e o Atari e o Odissey, os dois exemplares de 'alta definição' desse período?". E eu responderei: eles existiam para atender uma demanda muito específica de público, nem todos ousavam ter um em casa, por motivos financeiros, e a indústria de games não era tão popularizada e cheia de ídolos como a de hoje. Dentre os que escolhiam a opção a) o sonho de consumo-mor eram os almanaques. Eles eram maiores, logo tinham mais histórias, e as capas eram sempre entregues aos melhores artistas, que faziam desenhos mais elaborados, com versões temáticas sobre determinado assunto ou personagem que virasse febre do dia pra noite na cabeça de crianças e adolescentes. Os meus preferidos eram os almanaques da Disney com suas edições de mais de 200 páginas. Passava os fins-de-semana na casa da minha avó lendo Mickey, Pato Donald, Zé Carioca, Pateta e toda a turma de Patópolis (cidade-sede dos moradores do universo Disney) o dia todo. Minha mãe chegava a reclamar: "Você não vai largar isso, não?".

E por que estou voltando a esse assunto tão antigo que mais parece extraído de um dos episódios do antigo programa televisivo da Rede Manchete Acredite se quiser, que tinha como apresentador o carismático e divertido ator hollywoodiano Jack Palance mostrando situações que transitavam entre o irreal e o fatídico? Porque o mercado editorial nos últimos anos parece ter abraçado - e com muita vontade! - o fascínio pelos almanaques. São pencas deles, abarrotando as prateleiras das livrarias, sobre os mais diversos assuntos e gostos: Almanaque do Rock, dos Beatles, do Fusca, de Machado de Assis, da MPB, das décadas (anos 70, 80, 90 etc), da Rádio Nacional, das séries, de Jornada nas Estrelas, dos Quadrinhos, dos filmes de terror... Ufa! É versão que não acaba mais. E as editoras, vendo no filão um mercado atraente, lutam por seu espaço unha a unha.

Os críticos mais conservadores condenam volta e meia o modismo - como gostam de classificar - em suas crônicas e textos jornalísticos pelo número excessivo de volumes e temáticas que abundam o mercado. Não faz muito tempo li num artigo de uma revista especializada em literatura feito por uns desses detratores condenando a frequência abusiva com que esse tipo de material ganha as graças dentro do mercado editorial que comprou o estilo como mero fenômeno best-seller. "Porém", esclarecia o autor, "esquecem de muitas tragédias que aconteceram no período respectivo de que trata o almanque, passando para o público uma visão deturpada e utópica da época". De princípio fiquei meio dividido após ler tais declarações por tratar-se de um fato realmente verossímil. Só se falam das coisas geniais, do que deu certo, pulando episódios fortes e negativos, mas que foram de vital importância para que a sociedade evoluísse como um todo. Mas, no final das contas, não é disso que se tratam os almanaques? Entreter o público com fatos saudosos, que remetam a lembranças de um período que você nunca gostaria que tivesse terminado? Eu mesmo, não tem muito tempo, li um exemplar desses mágico sobre marcas de sucesso (como drops Dulcora, Sofá Drago, Cigarrinhos de Chocolate Pan etc) que desapareceram de nossas vidas com o passar do tempo. Simplesmente formidável!

Polêmicas e rivalidades à parte, esses vade-mécuns culturais (acho essa uma boa definição para esse tipo de livro) estão por aí, dividindo prateleiras e os espaços nobres dentro das megalivrarias com os autores de renome e os vencedores do Prêmio Nobel de Literatura. E vieram para ficar! Podem ter certeza de que, nesse momento, enquanto escrevo essa coluna, novos temas estão sendo elaborados para adentrar o mercado livreiro num período muito curto. E há de chegar o tempo em que se farão livros (ou almanaques) que discutam a existência e a importância dos próprios almanaques para a sociedade de consumo. Se é que já não existem, tendo em vista que um colega meu, estudante de psicologia, defende a teoria de que nós, seres humanos, só temos ideia de 10% do que se passa no mundo ao nosso redor. Vai saber o que acontece nos outros 90%! É questão de apenas um autor dar a cara à tapa e ter uma linha de raciocínio  mais ou menos original, reunir material infográfico de qualidade boa (pois sem imagem - lembra do comercial do Sprite "Imagem é tudo"? - não existe almanaque que se preze) e realizar uma pesquisa que não precisa ser exorbitantemente aprofundada. Pra quê? Bastam os dados primordiais. O restante é com o leitor. E boa leitura.


   

5 comentários:

  1. Acho que atualmente, não tem nada melhor que um bom e belo almanaque, gosto bastante. Já faz um tempo que "namoro" um almanaque sobre cinema..espero comprá-lo em breve!

    Abs,
    cigarrosefilmes.blogspot.com

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  2. Os almanaques são atraentes. Quando criança era atraído pelas gravuras.

    Eu tinha uma coleção da Disney que os almanaques dos contos de fadas e desenhos clássicos produzidos pelo estúdio eram acompanhados com fitas cassetes que narravam as histórias: O Mágico de Oz, A Bela Adormecida, O Rei Leão, Pinóquio, Dumbo, Fantasia, Chapeuzinho Vermelho, O gato de Botas etc.

    Bons tempos!

    Abs,
    Rodrigo

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  3. Até queria comprar o dos anos 90, mas, não sei se o conteúdo é bom!

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  4. Oi, queria te agradecer pelas visitas no 1/3 e dizer que já estou te seguindo e linkando no meu blog...sobre os almanaques, gosto muito da ideia de organização, rankeamento e seleção...acho que essas ferramentas ajudam muito no retrato de uma geração e na disseminação desta época no futuro...sou totalmente a favor...adoro almanaques...mas hoje são tantos que 1) não tenho dinheiro para comprá-los e 2) são tantos que acabo de perdendo....quem sabe não criam daqui a pouco um almanaque dos almanaques..

    Abrs

    Aliás...pseudo-ator, qual é mesmo seu nome?

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  5. Cara, achei genial esse teu post...

    "vade-mécuns culturais" uma ótima definição mesmo.

    esses almanaques da disney eram fantásticos, nossa. eu também passava horas lendo eles na minha infância...

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