quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Teatro: "Os Clandestinos", de João Falcão.



A fama, esse monstro irracional que habita dentro de cada um de nós, pelo menos se considerarmos como ponto de referência as últimas duas décadas (Está bom esse cálculo ou é melhor aumentar um pouco mais?), de forma tão natural que já nem percebemos se pode fazer mal à nossa saúde ou não. Tornar-se famoso virou pré-requisito básico de sobrevivência numa sociedade como a nossa, em que ser o primeiro a chamar a atenção pode ter muito mais valor do que a sua formação, o diploma que você possui na parede de casa ou mesmo o seu caráter (que, por sinal, do que se trata mesmo?). Sabendo disso provavelmente muito melhor do que a maioria das pessoas o dramaturgo João Falcão cria a sua Companhia Instável de Teatro, uma das maiores provocações ao mercado artístico que eu já vi nos últimos anos, e acompanhado de jovens tão obstinados - ou loucos, e certamente você pensará primeiro nessa segunda opção - propõe o espetáculo Os Clandestinos.

Na peça, o tema central gira em torno de um grupo de jovens e desconhecidos artistas que tentam convencer um autor em processo de desenvolvimento de um trabalho de que podem fazer suas ideias acontecerem fora do papel. Porém, quem são esses anônimos para garantir tal façanha? Como encarar um mercado tão competitivo e que prega a existência de estrelas disponíveis a todo o momento como fator decisivo para terem seus espetáculos encenados e não podem perder tempo (muito menos dinheiro) com quem não tem nenhum pedigree ou experiência de palco e pode acabar sendo sabotado na sua primeira e única oportunidade de brilhar?

Seja pela cenografia muito bem bolada de Sérgio marimba, pelos figurinos de Kika Lopes ou a iluminação de Paulo Denizot, que parece complementar com brilhantismo a angústia desses novos talentos, ansiosos por uma chance, umazinha só, de poder detonar e dizer a que vieram, o espetáculo mostra - sem máscaras - a dura vida de quem quer ser famoso, não importa o que tenha de fazer ou como para atingir o seu objetivo, mesmo que para isso tenha que recorrer a artifícios nada nobres nesse mundo torpe. Não podemos esquecer que nos dias atuais na vida, no amor e na guerra e agora no mundo da fama, vale tudo. É impossível acompanhar o desenrolar da trama e nao se lembrar logo de cara do personagem Ben Silver, protagonista do lendário espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, símbolo vivo desse universo em que estrelas e divas são feitas (e desfeitas) com a mesma facilidade com que se muda de canal usando o controle remoto.

No final das contas, o que há para se vislumbrar seja na telinha da TV, nos filmes que entram em circuito nas redes de cinemas, nos centros culturais, nos espetáculos circenses, nas casas de show, são meros fantoches da fama. Criaturas como a camaleônica cantora Lady Gaga e seus trajes surreais, o bizarro astro do heavy metal Marilyn Manson com suas excentricidades à flor da pele, os astros sem expressão da Disney no dispensável High School Musical e a filha da projeto de cantora e dançarina Gretchen com sua (verdadeira ou puro jogo de marketing?) lesbiandade à toda prova, aparecendo em programas sensacionalistas que primam por trazer ás telas o melhor do pior do meio artístico. Isso sem contar aquela menina do tumulto na faculdade Uniban por causa do seu vestido nada discreto que lhe custou a expulsão dos quadros curriculares da instituição, mas que na verdade nunca teve a menor pretensão de ser uma estudante universitária e sim uma popstar, chamando a atenção no grito, pois só assim para atingir algum estrelato.

Que Deus se apiede das almas dessas pobres criaturas!

Abaixo o vídeo-documentário com a seleção dos atores para a peça (como os 5 mil inscritos se tornaram os 14 coadjuvantes desse espetáculo genial):

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