segunda-feira, 29 de março de 2010

Literatura: "Hitchcock por Hitchcock", de Sidney Gottlieb



Um dos maiores cineastas do mundo dando dicas de produções, mostrando seu processo de criação, casting, direção, referências, inspirações que idolatrou ao longo de sua carreira? você só pode estar brincando!


Se depender do escritor Sidney Gottlieb, que organizou essa coletânea Hitchcock por Hitchcock, é isso mesmo que você ouviu.


Uma reunião de textos e entrevistas concedidas pelo diretor na década de 30, oferecendo um panorama único e lendário sobre uma das figuras mais emblemáticas da indústria cinematográfica até os dias de hoje.


Alfred Hitchcock influenciou mais da metade dos cineastas mundiais (principalmente nos EUA). O homem por trás de obras-primas como Psicose, Intriga Internacional, Janela Indiscreta, Os Pássaros, Ladrão de Casaca, entre outras películas fora de série, nos presenteia com o melhor de suas críticas e dicas de filmagem, fazendo deste livro um manual de referências estéticas e autorais o mais completo possível.


Para quem ficou interessado, um aviso: aconselho-os a bater perna em busca dessa pérola literária, tendo em vista a enorme dificuldade de encontrar o mesmo dando sopa nas prateleiras das livrarias.


Altamente aconselhável para cinéfilos os mais fanáticos e exaltados.


sexta-feira, 26 de março de 2010

Cinema: "A Ilha do Medo", de Martin Scorcese



Uma investigação.


Um detetive com um passado difícil de administrar.


Um ilha-clínica psiquiátrica cheia de enigmas a serem decifrados.


Uma possível paciente (desaparecida ou inexistente?).


Martin Scorcese se arrisca no suspense psicológico - algo que não fazia desde Cabo do Medo - e nos apresenta uma de suas obras mais perturbadoras. Da névoa de abertura até a câmera fixa no farol, A Ilha do Medo brinca com a paranoia que se instaurou nos EUA por conta da chamada Guerra Fria e nos oferece um de seus melhores trabalhos em parceria com o ator Leonardo Dicaprio.


Uma sensação de aprisionamento e claustrofobia se apodera dos espectadores ao longo das mais de duas horas de filme e Scorcese sabe disso (em determinados momentos da película, ele faz questão de promover esse sentimento). Tudo em prol de um jogo que pôe em evidência dois personagens que vivem se enamorando e digladiando a todo o momento, os eros e tãnatos da contemporaneidade: ficção e realidade.


Para ser visto com parcimônia e sem deixar de atentar para os detalhes.

domingo, 21 de março de 2010

Quadrinhos: "Maus", de Art Spiegelman



Falar sobre o holocausto tornou-se um clichê inesgotável: são dezenas de milhares de adaptações literárias para o cinema, romances, poemas, diários, memórias, cadernos de anotações e todo tipo de confissão ou tragédia que o tema possa abranger. Então por que continuar escrevendo sobre o assunto? Simples: pois sempre há um novo viés ainda não abordado. como acontece, por exemplo, com a obra-prima gráfica "Maus", do quadrinista norte-americano Art Spiegelman.


Spiegelman subverte tudo que já possa ter sido criado no gênero nos apresentando um fábula às avessas onde nacionalidades transformam-se em animais e o velho jogo do gato e rato aqui se mostra de maneira ácida sem fugir do contexto histórico um minuto sequer.


Não é todo dia que uma história em quadrinhos é premiada com o prêmio Pulitzer, o que só reforçou e muito o potencial do autor e, além disso, alavancou a categoria da nona arte a um patamar nunca antes reconhecido. Fúria, perseguição, covardia, violência, tudo é reunido em traços duros, porém imprescindíveis para discutir uma dos capítulos mais negros - senão o maior deles - de toda a história da humanidade.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Teatro: "Raul fora da Lei"



Uma mente inquieta. Um músico indiferente ao sistema por acreditar que tudo fosse construído, manipulado, cerceado. Um cantor furioso. Um poeta incompreendido. Raul Seixas foi um referencial de vida - não só musical como também filosófico - para muitos brasileiros. O baiano que não era simplesmente o axé (com toda a euforia que o ritmo é capaz de trazer para os fãs das sucessivas micaretas e carnavais), por considerar-se assistemático.

Em "Raul fora da lei", o ator Roberto Bontempo nos apresenta essa fúria em tons bastante vibrantes. Toda a graça, a afronta, a atitude debochada, cínica, que somente um subversivo era capaz de expor num espetáculo único. Para fãs de uma cultura de resistência que se perdeu ao longo dos anos por conta de uma MPB que só produz fraudes e produtos descartáveis.

Música + rebeldia + atitude + incompletude = "Toca Raul".



sexta-feira, 12 de março de 2010

Literatura: "Caim", de José Saramago



Uma história que nunca morrerá contada sob uma ótica inusitada (e por que não dizer?) polêmica. Saramago, em seu mais recente romance, reconstruiu a trajetória de Caim, desde o assassinato a seu irmão, Abel, até o grande dilúvio, apresentando um crítica feroz aos dogmas religiosos.

Se em A Última Tentação de Cristo, Nikos Kazantzákis oferece todo o desejo sofrido e aprisionado pela figura divina de Jesus e, com isso, mostrando um Jesus Humano e motivado não só por suas emoções, mas também por suas falhas, em Caim - retomando um tema já caro para o autor português (Vide O Evangelho segundo Jesus Cristo) - Saramago faz do protagonista testemunha de algumas das principais sagas bíblicas e transforma o livro-síntese do catolicismo numa alegoria que transita entre preconceitos e pontos de vista autorais.

Caim é leitura para poucos - principalmente se levarmos em consideração a mercantilização da fé com a qual nos deparamos em tempos de religião globalizada -, mas nem por isso desnecessária para entender uma humanidade que teima em crer em ídolos e discursos do que em seu próprio coração e convicções.

Em poucas palavras: um ensaio sobre a fé sob olhos de expressão ateu.

terça-feira, 9 de março de 2010

Cinema: "Preciosa", de Lee Daniels


Até que ponto pode um ser humano aguentar tanta dor e tanta falta de esperança? Esse é o filão seguido pelo diretor Lee Daniels em seu filme Preciosa, vencedor de 2 Oscars na festa do último domingo (07/02). Já vi muito sofrimento nessa vida, mas nada chega nem perto do drama vivido por Clarice "Precious" Jones. Estuprada pelo pai - de quem fica grávida 2 vezes -, espancada exaustivamente pela mãe (excepcional interpretação de M'onique), portadora do vírus HIV, sem futuro, formação educacional quase nula, enfim, praticamente uma nulidade como ser humano.

E, ainda assim, disposta a ir até o fim, custe o que custar.

Preciosa é um filme duro, ácido, sem meias verdades, avesso a moralistas e platéias demagogas que gostam de se emocionar lendo livros de auto-ajuda e assistindo comédias românticas açucaradas com os galãs e divas hollywoodianos. É a típica exaltação do homem como lobo do homem, porém sob um viés black people.

Ao final da sessão, quando começam os créditos e o diretor assinala "Para todas as Preciosas, onde quer que elas existam", o que se vê é um testemunho pungente de uma realidade atroz: um ensaio sobre a exclusão massacrante que assola esse mundo globalizado em que vivemos.

Um filme difícil, contudo imprescindível, para uma geração nova que já nasce achando que tudo é uma grande festa, e que todos podem ser artistas a qualquer preço.