sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Cinema: "À prova de morte", de Quentin Tarantino.



Um filme-homenagem aos cinemas de segundo escalão que forneciam como único entretenimento produções baratas, arranhadas, com atuações viscerais, ruídos em excessos, falhas na trilha sonora e na coloração da tela. Um diretor cuja mente tresloucada e seu lado pesquisador fanático por temáticas as mais inusitadas é capaz de qualquer coisa. Um projeto autoral (Autoral? Em plena era de crise dos estúdios hollywoodianos onde a expressão risco zero - ou o que quer que isso signifique - vira clichê barato na língua de produtores, diretores e outros chefões das principais companhias?): assim é Grindhouse, um projeto a quatro mãos realizado pela dupla Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, a quem poucos realmente assistirão juntos no mesmo rolo, seja por incompetência da empresa distribuidora, seja por preconceito. Passados dois anos de sua realização, À prova de morte dá as caras mostra a face cínica de seu realizador, um profissional que nunca escondeu ao longo da carreira o apetite pelo diferente e o chocante.

A grande marca pessoal de Tarantino está lá: a capacidade de transformar seus protagonistas em alter-egos de sua própria - e irracional, que fique bem claro! - psique. E no caso de Stuntman Mike (Kurt Russell), o dublê fracassado que sai às ruas, furioso (mas sem perder o sorriso sedutor e aberto), atrás de suas vítimas inocentes, isso ainda fica mais evidente. Provavelmente é sua criação mais autobiográfica, mostrando abertamente reflexos de suas influências construídas ao longo da carreira, como os debochados e subversivos Enzo Castellari e Russ Meyer, pais de uma - podemos assim chamar - sétima arte provocadora, insultante.
 
Como pano de fundo a toda essa agressividade visual, e eis o mais interessante de toda essa viagem tarantiniana, o cineasta constrói uma exuberante enciclopédia das taras do mundo americano, onde todas as obsessões (o fascínio erótico pelas cheerleaders, eternas e rebolativas líderes de torcida, a lap dance, versão minimalista dos shows de striptease que alucinam os becos mais inóspitos das principais cidades americanas, a sensual apresentadora do programa de rádio a quem todos querem saber se o corpo, a silhueta, é tão sensacional quanto a voz que ouvem diariamente. E que não venham os leitores desse blog me dizer que nunca se pegaram pensando sobre a dona de certa voz sensual de alguma rádio carioca! "Como será ela ao vivo e a cores?", numa hora dessas é uma pergunta mais do que óbvia), desejos de consumo (a bolsa da Prada, o carro dos sonhos) e fanatismos fazem parte da ordem do dia para servir de "inspiração" à saga contumaz desse road killer.

À prova de morte é amoral, sim, e em nenhum momento nega isso. E Tarantino não alivia o espectador em momento algum quando o assunto é exacerbar a sua (ou do personagem, como preferir interpretar!) carnificina rodoviária. Se há espaço para cinema como esse em tempos de globalização e de investimentos no óbvio? Não faço a menor ideia. O que sei de fato, passadas as quase duas horas de projeção, é que se trata de um filme mais do que necessário para entendermos o ser humano da contemporaneidade. Disso não há a menor dúvida. Se por um lado você pensa "Putz! Esse filme é nojento", por outro fica clara a noção de que o homem realmente passou dos limites em algumas decisões. E não há nada de cafajeste em deixar claro isso para o público.


     

9 comentários:

  1. Tarantino é fantástico. Sou realmente FÃ desse diretor. Esse filme ainda não assistí, mas fiquei curioso! Vou já pra locadora! haha
    Abração!

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  2. Pode me mandar as perguntas para este e-mail: setaro@gmail.com

    Um abraço do
    André Setaro

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  3. Nunca vi e muitos se referem ao filme como algo não muito agradável. Não conto vê-lo em breve, mas quem sabe os caminhos que percorrerei.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  4. Adoro Tarantino, mas confesso que ele não tem me agradado tanto nos últimos anos.

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  5. Gosto muito de Tarantino e ainda não conferi A PROVA DA MORTE, mais estou ansioso por este filme, gosto deste estilo "trash". Só estou na espera dele aqui nos cinemas ou em DVD.
    Abs.

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  6. Sim sim, é um filme e tanto, confesso que a primeira vez que vi, não assisti para identificar todas as referências ou mesmo a forma como desconstrói o mito dos desejos americanóides. Vi Death Proof juntamente com Planeta Terror, e achei o do Tarantino superior ao do Rodriguez... ainda assim ambos são ótimos.

    PS:Linquei teu blog com o meu que é sobre música...

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  7. bicho, como o barão, eu assisti ao filme logo que saiu, junto com grindhouse. e cara, tarantino é tarantino né... preciso rever.

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  8. eu adoro esse diretor, quero muito ver esse filme. beijos, pedrita

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  9. Acho que o filme tem grandes méritos, como os acidentes violentos que ficam tão vistosos na tela... mas acho que Tarantino acaba se alongando demais, e o filme perde um pouco de ritmo ao se criar uma perseguição longa demais no fim... não é dos meus favoritos dele, com certeza.

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