segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Teatro: Asdrúbal trouxe o trombone



Brasil (1974-1985): A ditadura militar entrava em crise - muito motivada pela retomada da inflação que começava a pesar no bolso da sociedade -, o que aumentou ainda mais os burburinhos de uma abertura política (que, ao longo do percurso, levaria a anistia dos exilados que moravam no exterior). Em contrapartida, o nascimento do movimento ecológico no país fez com que os cidadãos tivessem uma outra postura diante da vida como se apresentava. Em meio a esse clima de desgaste e busca de esperança, uma grupo de jovens - Luís Fernando Guimarães, Evandro Mesquita, Hamilton Vaz Pereira, Perfeito Fortuna, Patrícia Travassos e Regina Casé -, sedentos de vontade de contar a visão dos fatos de uma geração onde o assunto de barzinho era falta de grana, farras, mulheres e sexo, decidem revitalizar a arte teatral como então se apresentava. Nascia ali, muito descompromissadamente o Asdrúbal trouxe o trombone. E o clima de happy hour do grupo surgia até na origem do nome: um código existente entre a atriz Regina Casé e seu pai que sempre que percebiam nas festas a presença de algum chato perguntavam um para o outro: "O Asdrúbal trouxe o trombone?".

Influenciados - e muito! - pelo grupo de humor britânico Monty Python e trazendo como prerrogativa de trabalho a ideia da descontrução narrativa, baseada em interpretações despojadas e uma criação coletiva, a trupe abusou do conceito de irreverência em seus espetáculos. Mais do que montar um texto o que aqueles rapazes e moças queriam era dividir suas experiências de vida com o público, o jeito malandro de falar, a "grilada" da juventude zona sul, retrato do sol na cara e do despojamento, fazendo de cada espetáculo uma ilusão teatral construída a partir de improvisações e jogos coletivos (aliás, essa marca registrada rende frutos até hoje na televisão e no teatro brasileiro - principalmente no stand-up comedy - em programas e apresentações como Quinta Categoria, É tudo improviso, Z.E: Zenas Emprovisadas, Os deznecessários, entre outros). Em suma, a máxima ditada por seus integrantes é a da valorização da afetividade, dos aspectos físicos e criativos de seus integrantes, deixando a técnica e o rigor do profissionalismo exacerbado presente nas montagens de outras companhias em segundo plano.

Das montagens de textos clássicos na primeira fase (com destaque para O Inspetor Geral, de Nikolai Gógol em 1974, e Ubu Rei, de Alfred Jarry, no ano seguinte) para um segundo período onde as criações próprias deram a tônica no palco (e, nesse caso, como deixar de exaltar Trate-me Leão/1977, Aquela coisa toda/1980 e A farra da terra/1983?), o que se percebe escancaradamente é o uso da linguagem circense, das maquiagens, do humor descarado e, sem sombra de dúvidas, da presença do lúdico em contato com a plateia.

Com o fim da companhia em 1985 - um período onde as Diretas Já fez com que a tão sonhada redemocratização passasse do campo das ilusões para a prática e o temor se transformasse num fantasma acorrentado no armário -, veio o desdobramento de seu sucesso em programas televisivos (como TV Pirata, Programa Legal), na música (o grupo de rock Blitz) e lugares inesquecíveis (como o sempre eterno Circo Voador, responsável por toda a revolução provocada pelo Rock nacional na década de 80 a partir de personagens como Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Lulu Santos, Plebe Rude e tantos outros). Agora, esse humilde autor, olha para o vazio deixado por esses gigantes da interpretação e sente até raiva de saber que aquele tempo que você gostaria que nunca tivesse terminado hoje não passa de memórias preservadas com muita luta, para não deixar o verdadeiro espírito da arte morrer. E talvez por isso esse texto não deva simplesmente ter um final, pois certas coisas (ou lembranças) nunca devem terminar.

Nota de rodapé: Recomendo àqueles que não conheceram o antológico grupo e também para os que, como eu, não pretendem deixar essa geração morrer jamais, a leitura do livro de Heloísa Buarque de Hollanda (cuja imagem disponibilizo acima). Fundamental para a formação de qualquer ser humano!


   

Um comentário:

  1. Conheço a história do grupo somente de nome, por causa de todo o pessoal que ele acabou revelando. Adorei ler este teu texto. Muito informativo.

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