quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Memória: "Armação Ilimitada", de Guel Arraes



Com o fim da ditadura militar no Brasil e a redemocratização proposta pelas Diretas Já - um dos movimentos de maior mobilização da história do país até os dias de hoje -, a TV nacional busca novos valores e conceitos que destoassem da mentalidade vigente na época. O tempo da repressão e do "nada pode" dava lugar a uma necessidade de expurgar todos os males que aquela geração cruel havia exposto a sociedade. A palavra de ordem daqueles dias era reinventar-se. A postura que se procurava era a do liberalismo (muito por conta do público, em sua grande  maioria adolescente, que já acompanhava as peripécias teatrais da companhia Asdrúbal Trouxe o Trombone com seus infinitos jogos e provocações no palco.
A solução encontrada para motivar esse público jovem e ardoroso por ideias as mais alucinadas e febris (mas que tivessem o discurso daquela turma) foi uma dupla de surfistas: Kadu Moliterno e André de Biasi, famoso pelos longametragens cinematográficos Menino do Rio e Garota Dourada, que se transformaram nos heróis Juba e Lula da inesquecível série semanal Armação Ilimitada. O projeto - uma criação conjunta de Euclydes Marinho, Patrícia Travassos, Nelson Motta e Antonio Calmon - precisou de poucas semanas e uma estrutura muito simples para cativar o público que apenas desejava ver suas próprias histórias e estilo de vida nas telas.

Transitando por situações do cotidiano da sociedade brasileira como fatos e personagens regionais como o Jeca Tatu, reforma agrária, orfandade - que nada mais era que a representação dos filhos vítimas da arbitrariedade cometida contra seus pais na época do golpe e posterior exílio -, jabás nas rádios nacionais e, volta e meia, inserindo sátiras a produções hollywoodianas como 007, Rambo, Comando para Matar e filmes de Steven Spielberg (o cineasta mais visto pelo público nos cinemas na época), Armação Ilimitada trazia elementos que divergiam entre a galhofa e a irreverência com um talento nunca antes visto na teledramaturgia nacional e que eram a melhor expressão da voz e do sentimento do povo visto nas ruas.

Seja a jornalista Zelda (Andréa Beltrão), interesse romântico dos dois heróis, a melhor amiga Ronalda (Catarina Abdala), grávida de um filho extraterrestre após uma abdução, o órfão Bacana (Jonas Torres), confidente e parceiro inseparável da dupla, o neurastênico redator-chefe do jornal onde Zelda trabalhava (vivido pelo sempre genial Francisco Milani) ou mesmo a narradora, misto de VJ e radialista, Nara Gil, uma clara alusão a era do videoclipe que vigorava naqueles tempos (que desembocaria, anos mais tarde, na criação da MTV), o programa oferecia o retrato de uma geração que tentava se reconstruir, através do humor, de tantos anos de penúria e ostracismo.

Para quem não viveu o período fiquem com a certeza de terem perdido uma fase nostálgica da televisão brasileira, numa época onde o único interesse era oferecer entretenimento ao público, diferentemente dessa visão niilista de hoje, onde uma grande parcela do público espectador quer ser famoso a qualquer custo, sem o menor talento ou competência para isso (algo que já havia mencionado em post anterior em meu texto sobre a peça Os Clandestinos, de João Falcão. Procurem, caso queiram mais detalhes!). Já para quem acompanhou essa era -como eu - não esquecerá jamais desse tempo em que o simples era mais, muito mais do qualquer engodo chamado de reality alguma coisa ou uma mentira travestida de espetacular.

Abertura da série:

Episódio (com participação da atriz Christiane Torloni):
Parte 1:  
Parte 2:  
Parte 3:  

   

Um comentário:

  1. AMAVA este programa! Cresci assistindo-o! Guel Arraes mostrando seu talento desde essa época.

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