quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Cineastas: Martin Scorsese



Se Martin Scorsese tivesse se tornado padre como queria e era interesse de seus pais, será que teria sido um grande clérigo? Dúvidas à parte, a grande verdade é que sua cinematografia nunca deixou de render homenagens (ou críticas) ao modelo religioso que conheceu quando criança lá pelos idos da década de 50. O menino que conviveu num bairro onde criminosos, punguistas e prostitutas eram parte do cartão-postal do lugar e que estudou na Escola de Cinema de Nova York, aprendeu realmente a fazer filmes quando realizou a película Boxcar Bertha - lançado no Brasil como Sexy e Marginal - trabalho em que decifrou os segredos de se filmar rápido e gastando muito pouco. E verdade seja dita esse aprendizado aliado a paixão pelo Neo-Realismo italiano e a amizade com Brian de Palma (que lhe apresentou o ator Robert de Niro, ator-assinatura definitivo de seus principais filmes) marcaram definitivamente sua carreira.

Seu início se dá com Quem bate à minha porta?, em 1968, mas a glória e o reconhecimento só começariam a despontar realmente cinco anos depois com Caminhos Perigosos, onde começa sua parceria com De Niro, e com o antológico Taxi Driver, que trazia uma pequenina Jodie Foster começando a carreira ainda na pele de uma prostituta. Em 1977 o primeiro fracasso: o musical New York, New York, que quase foi a tampa no caixão de uma carreira até então bem sucedida. O resultado do filme foi tão abaixo das expectativas que Scorsese entrou numa depressão nervosa e teve de se afastar dos sets por três anos. Contudo, sua volta foi gloriosa com Touro Indomável, onde retrata a saga do pugilista irracional Jake La Motta. Uma produção até hoje considerada injustiçada, na opinião de vários críticos de renome, por não ter levado o Oscar de Melhor Filme na época.

Entre 1983 e 1985 Scorsese envereda pelo humor (de viés negro, é bem verdade!) e faz dois de seus melhores filmes menores: o anárquico O Rei da Comédia (com participação do humorista Jerry Lewis) e Depois de Horas (uma pequena obra-prima urbana até hoje subestimada pela crítica). Passada essa fase realiza duas produções que poderiam ter rendido melhores comentários e bilheterias, mas que acabaram compondo dentro da filmografia de Scorsese sem muito brilho: A Cor do Dinheiro (que contou com a dupla de astros Paul Newman e Tom Cruise) e a adaptação do polêmico romance bíblico de Nikos Kazantzakis A Última Tentação de Cristo (com Willem Dafoe como protagonista). Chegam aos anos 90 e o diretor volta aos dramas de máfia com Os Bons Companheiros (1990) e Cassino (1995), ambos baseados em romances de Nicholas Pillegi, além de fazer sua primeira incursão no suspense com Cabo do Medo, outra produção que sofreu críticas severas no período em que foi lançada.

Depois dos inexpressivos Kundun (que contava a história do Dalai Lama) e Vivendo no Limite (com Nicolas Cage na pele de um motorista de ambulância que ouve e vê os pacientes mortos que compõem a sua rotina diária), o diretor se volta para seu projeto mais ambicioso: o épico Gangues de Nova York, em gestação por mais de duas décadas, e apresenta a Hollywood o seu novo pupilo, o jovem e talentoso Leonardo Dicaprio (que lhe foi apresentado por De Niro, que trabalhou com o rapaz no filme O Despertar de um Homem). Com ele também realiza O Aviador, baseado na vida do milionário Howard Hughes, Os Infiltrados e o recente suspense penitenciário Ilha do Medo, adaptação do romance Paciente 67 do escritor Dennis Lehane.

Atualmente o cineasta divide sua atenção entre inúmeras tarefas: a pós-produção de seu mais novo longa, dessa vez estreando no gênero infantil, A Invenção de Hugo Cabret (com presença de Jude Law e Ben Kingsley no elenco), a finalização de seu mais novo documentário sobre a vida do Beatle George Harrison, administrando sua Film Foundation, uma organização não lucrativa criada por ele e dedicada á preservação de filmes mudos e ainda arranja tempo para produzir para o canal a cabo HBO a série televisiva Boardwalk Empire, sobre o período da Lei Seca, sucesso de crítica e audiência. Entre seus próximos projetos constam uma cinebiografia do cantor Frank Sinatra e um projeto que tem tudo para ser o grande filme do século XXI: The Irishman, filme de gângster que reunirá o trio Al Pacino, Robert de Niro e Joe Pesci.

O que mais a mente sórdida, analítica e perfeccionista de Scorsese aprontará para o público sedento por suas tramas cheias de corrupção e malícia? O que poderemos esperar desse menino que quase virou católico fervoroso? O tempo dirá. Mas que deixará a plateia de boca aberta, disso não há a menor dúvida.

Trailers:

Taxi Driver:
Os Bons Companheiros:
Caminhos Perigosos:  
Cassino
         

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Quadrinhos: "Memória de Elefante", de Caeto.



Não é de hoje que eu me pergunto se a minha vida daria uma história interessante, cheia de reveses, do jeito que o mercado editorial gosta e faz questão de divulgar nas prateleiras das megastores. Provavelmente não. Não sou um rockstar ou um artista plástico underground queridinho da mídia, muito menos um cineasta independente que se tornou cult após realizar alguns curtametragens conceituados pela crítica ou um longa feito com quase nenhum dinheiro que arrebatou platéias no mundo todo. Infelizmente (para mim e, principalmente, para o mercado) sou uma pessoa comum e pessoas comuns raramente - ou melhor dizer nunca? - viram grandes produtos culturais. Já o caso específico de Caeto parece ter agradado a indústria de quadrinhos, tanto que fez de sua trajetória de vida conturbada uma graphic novel consistente em Memória de Elefante.

A história de Caeto é como a de todos os grandes artistas (sem que, no entanto, se diga ao final da leitura que ele se tornou um popstar): uma família complicada, uma existência desregrada, onde o grande barato mesmo eram as baladas, as gatas, a bebida e a drogas, tudo misturado como uma verdadeira hecatombe. E, em meio a todos esses conflitos, as dificuldades de lidar com suas relações amorosas e com parentes que mais parecem sanguessugas. Até que finalmente encontra uma alma gêmea que parece - pelo menos à primeira vista - entender aquele espírito inquieto e está disposta a ajudá-lo a encontrar o seu caminho.

Utilizando-se com grande maestria de metáforas e metalinguagens as mais diversas, tudo muito bem amparado por um traço rápido, em alguns momentos irregular mas proposital, que cai como uma luva para representar esse ícone do desespero artístico, Caeto conta a saga de um indívíduo que, com muita facilidade por parte de algumas pessoas, poderia ser chamado imediatamente de perdedor, mas que no entanto encontrou em sua arte marginal, fruto de suas obsessões e desilusões constantes, uma maneira de encarar os dilemas que atravesssaram a sua vida.

O que se percebe no conjunto da obra é que o autor construiu uma espécie de guia de bolso para artistas em início de carreira que precisam lidar com as frustrações e dificuldades de um mundo que exige em excesso de seus personagens. O artista Caeto (metade pintor, metade cantor de uma banda de punk rock), conforme quadrinizado, é o exemplo perfeito para ilustrar uma geração que vem construindo sua carreira aos trancos e barrancos, sem planejamento algum, e muitas vezes acreditando que apenas sorte é tudo nesse meio. Um trabalho gráfico indispensável na prateleira de quem deseja se inserir nesse mercado sem perder a sanidade e entendendo os percalços (as famosas "pedras no meio do caminho", outrora apresentadas pelo poeta Carlos Drummond de Andrade) que surgirão para nos atrapalhar em algum momento de nossa jornada.


Matéria publicada na Folha Online sobre a HQ:

     
Entrevista com Caeto na Rio Comicon 2010:


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Cinema: "A Rede Social", de David Fincher.


O mercado empresarial mudou (e de forma um tanto drástica). Um cenário que antes era dominado por executivos que desfilavam pelos corredores das megacorporações trajando terno e gravata, agora dá lugar a jovens que mal saíram da faculdade - muitos deles nem chegando a concluí-la ou sequer cursando uma -, enfurnados em moletons amassados, calças jeans e tênis de marca com solado gasto. Porém, o mais interessante nesse quadro não é a estética apresentada pelos personagens e sim a capacidade empreendedora que eles têm de conquistar grandes mercados com ideias aparentemente simples. Esse, meus caros, é o mundo de visionários como Mark Zuckerberg (uma atuação brilhante de Jesse Eisenberg), um nerd de Harvard cujo único talento é programar, programar, programar. Uma rotina até então vazia que se resume a azarar mulheres (não necessariamente o caso de Mark, mas de alguns de seus amigos íntimos) e tirar onda com a cara dos outros, um esporte popular entre os salões da universidade. Até que, junto com seu colega de quarto, surge a ideia de se criar algo diferente que conquiste os alunos do campus, que invada seu mundo, torne-se familiar para eles. Um misto de fórum de ideias com site de relacionamentos. Nascia ali o Facebook. E junto com ele muita discórdia e brigas na justiça.

Em A Rede Social, o diretor David Fincher, já conhecido do público brasileiro por pegar temas polêmicos para trabalhar em seus filmes (quem não se lembra do hoje antológico Clube da Luta que repercutiu até numa tragédia num cinema de São Paulo, ocasionando vítimas fatais?) envereda dessa vez pelas brigas políticas envolvendo a criação de uma das empresas mais bem sucedidas dos últimos anos. E no meio de toda essa luta o que se percebe é que, independentemente de quantos foram os criadores dessa galinha dos ovos de ouro, não existe em todo o confronto um elemento que deveria ser indispensável num mercado e numa criação empresarial como essa: maturidade. O que se vê ao longo de toda a película é uma batalha entre crianças exibindo o seu desejo de mostrar quem tem mais direito a manusear o brinquedo - ou o videogame, como bem define em certo momento da trama a personagem Erica Albright, eterna paixão de Zuckerberg, que ele fez questão de jogar pela privada em nome de uma brincadeira maldosa).

Se a criação de um site como esses já é complicada o bastante para desgastar a relação entre Zuckerberg e seus parceiros de empreitada Eduardo Saverin (Andrew Garfield) e os irmãos gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss (Armie Hammer), membros de uma fraternidade que já era por si só expressão máxima da segregação acadêmica, quando o empresário e ex-criador do Napster, Sean Parker (Justin Timberlake) percebe na novidade internética a chance de regressar ao topo do sucesso e decide entrar como sócio no negócio, toda a relação que já era tensa torna-se insuportável, levando a demissões e a consequente abertura de processo por direitos autorais. 

A trilha sonora eletrônica de Trent Reznor e Atticus Ross e o roteiro velocíssimo e afiado como um machado, escrito por Aaron Sorkin, dão o tom perfeito para acompanhar a saga desses meninos-gênios que falam tão rápido quanto um computador de última geração é capaz de processar dados à velocidade da luz. Assistir o filme me fez rever conceitos que eu já havia presenciado anteriormente na produção O Bom Pastor, dirigida pelo ator Robert de Niro. Refiro-me ao clã secreto do qual o protagonista vivido pelo ator Matt Damon fazia parte antes da criação da CIA. Um mundo sórdido, onde não haviam regras pré-definidas, caráter ou mesmo normas de conduta. Tudo não passava de mera demagogia e abuso de poder por parte de uma elite minoritária. Em poucas palavras: um jogo. Aqui o que se enxerga nas entrelinhas do roteiro é que a mentira e a trapaça se transformaram num grande entretenimento nas mãos desses adolescentes que querem, nada mais nada menos, do que brincar de Deus. E que a tal rede social que eles criaram é apenas uma desculpa para que o ser humano tenha, a cada dia mais, dificuldade de admitir que está mais sozinho do que nunca. 

"Mas isso não importa", parecem dizer os diálogos desses personagens, "se há dinheiro na minha conta, o resto se compra fácil. Até mesmo amigos. É só uma questão de tempo".

Trailer:
     

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Literatura: "Bussunda - a vida do casseta", de Guilherme Fiúza.


Fazer rir nem sempre é a coisa mais adorável do mundo. E se levarmos em consideração a vida de Cláudio Besserman Vianna, o lendário Bussunda, personagem inesquecível da trupe do Casseta e Planeta, veremos que essa máxima é a mais pura verdade. Bussunda foi um cômico à frente do seu tempo: muito mais do que simplesmente fazer as pessoas caírem na gargalhada, ele ousou, arriscou, enfrentou barreiras que nem todo artista do seu quilate enfrentaria, em alguns casos pondo amizades até então eternas na berlinda. Tudo em prol da arte. Era isso que fazia de sua criação um divisor de águas na televisão brasileira. E para o escritor Guilherme Fiúza, autor da excelente biografia Bussunda: a vida do casseta, ele era muito mais do que isso, pois se tratava de um reacionário.

Ao longo das páginas muito bem defendidas por um prosa inteligente e sem deixar de alfinetar certas figuras do ideário cultural brasileiro, o que se percebe desde o primeiro parágrafo da obra é que era meramente impossível dissociar a imagem de Bussunda dos demais cassetas. Eles eram como um bloco compacto, sempre discutindo ideias, apresentando propostas e fazendo badernas - uma especialidade do grupo - juntos. Até porque o "rapaz que não servia para nada e só podia ser Bussunda na vida" jamais deixaria de lado seus comparsas, com quem vinha convivendo e tramando artimanhas desde os tempos de faculdade.

Peças no teatro que mais pareciam um atentado a sanidade mental e ao pudor das pessoas, revistas e pasquins que cobriam (para não dizer furavam os olhos) a moral vigente na época, com todas as incorreções políticas a que tinham direito, roteirista do programa TV Pirata, um dos maiores sucessos de audiência da história da televisão nacional e apresentador do Casseta e Planeta Urgente, primeiro grupo de humor a cobrir uma Copa do Mundo in loco. Isso só para começar. A vida de Bussunda era uma montanha-russa com direito a muitos loopings e adrenalina em demasia. Entretanto, que caiam na real aqueles que pensam que o comediante e o grupo agradaram a toda a torcida do Flamengo (time do coração do humorista). Pelo contrário: houve muitos processos, ídolos - como Zico - que chegaram a se ofender com certas brincadeiras que passaram do tom, entre outras desavenças. Contudo, ser contraditório fazia parte da gênese daquele palhaço dos tempos modernos.

Entre imitações de artistas e atletas os mais diversos - a de Ronaldo Fenômeno agradou até mesmo o próprio jogador - e alter-ego do Presidente Lula em suas sátiras ao mundo político (uma interpretação que virou sua marca registrada), Bussunda foi conquistando plateias ao redor do país, sem esquecer de tirar sarro com alguém sempre que tinha chance. Em contrapartida, o livro aborda nas entrelinhas, para aqueles que lerem atentamente, uma clara alfinetada ao surgimento do grupo como prenúncio do besteirol que iria se alastrar pelos programas de humor nos anos seguintes, tanto na emissora dos cassetas quanto nas concorrentes. E nem todo mundo ficou feliz com essa "novidade amarga". Uma prova clara de que não se trata apenas de um simples livro-homenagem, com a proposta de apenas narrar os momentos gloriosos do artista, uma persona única que não levava nada a sério.

Ao fim das pouco mais de 400 páginas, o leitor termina extasiado e profundamente satisfeito pela grata surpresa oferecida pelo livro. O retrato de um gênio cuja única coisa que jamais imaginou que seria na vida era um gênio. "Resumir Bussunda em poucas palavras", parece dizer o autor, "pode até ser bastante simples, vide sua irreverência constante. A grande questão é: como explicar que ele tenha feito tanto sucesso com tão pouca ambição?". Esse, certamente, é o maior legado deixado por esse registro investigativo dos mais elaborados.

 

sábado, 11 de dezembro de 2010

Animação: "Os Simpsons", de Matt Groening



Em frente a TV, assistindo pela centésima vez (ou seria a milésima? sei lá... já perdi a conta) a um episódio dos Simpsons, paro no tempo por alguns segundos e fico me perguntando: o que seria do mundo se essas criaturas geniais não existissem? Definitivamente, Matt Groening é um dos maiores gênios da humanidade. Conseguir fazer uma série de animação se manter no ar por 21 anos - que serão comemorados no próximo dia 17 - não é uma tarefa para qualquer um. Acompanhar a vida de Homer, Marge, Bart, Liza e Meg já se transformou numa espécie de terapia para milhares de pessoas ao redor do mundo. "E por quê?", vocês me perguntarão. Simples: porque nossas vidas estão ali, descritas com exatidão, mesmo que resguardadas as diferenças culturais entre um país e outro.

A grande diferença entre Springfield (a louca terra mágica onde esses personagens habitam) e outras cidades ficcioniais famosas, como Gotham City, Metrópolis, a Sucupira de Odorico Paraguaçu na antológica novela O Bem Amado, Hogwarts e tantas outras, é que ela não se esconde muito menos se traveste de mundo surreal, fantástico, não cria realidades alternativas nem tenta ser algo diferente daquilo que vemos na vida real. Em Springfield, tudo o que vemos na rua está ali, representado sem máscaras ou fantasias: as discussões de vizinhos, o bate-papo de bar, as diferenças religiosas, os conflitos existenciais, a polícia preguiçosa, que não faz o seu trabalho direito e só está preocupada com mundanices, os imigrantes, as adversidades e moralismos de se manter um casamento, os dilemas da adolescência. Tudo sem rodeio, sem desculpas esfarrapadas.

Ao longo dessas duas décadas muita polêmica rondou a série, principalmente quando os produtores decidiram rodar episódios em que a família Simpsons visita outros países (no episódio que se passa no Rio de Janeiro, houve muita controvérsia a respeito da maneira como os criadores do programa viam o caráter da população e o way-of-life nacional: uma cidade infestada por bandidos e por pessoas se prostituindo por qualquer motivo). Isso sem contar as discussões em torno das aberturas de alguns programas, que já trouxeram temas fortes como racismo, exploração de menores, abuso de poder por parte das grandes empresas multinacionais - como apareceu, recentemente, numa abertura realizada pelo artista plástico Bansky - até o recente quiproquó envolvendo até mesmo o nome da própria empresa realizadora do projeto: a Fox Film.

Batalhas internas à parte, o grande barato de acompanhar a saga dessa família tresloucada é a facilidade com que conseguem se apropriar de fatos ocorridos na cultura pop e de notícias de grande repercussão na mídia e dar a esse material uma interpretação toda particular. De Justin Timberlake rasgando a blusa da cantora Janet Jackson na final do Super Bowl a participação corrente de personagens criados em cima de celebridades de Hollywood (que chegam, algumas vezes, a ser parte imprescindível na trama), não há limites para a coragem e a inventividade da equipe de criação, que deve passar um bom tempo fuçando as novidades que rolam no mundo real (das mais amenas às totalmente escabrosas) que sejam viáveis na ficção animada.

Em linhas gerais, assistir a série  - por mais que pareça exagerado o que eu vou dizer agora - é assistir a um pouco da sua própria vida, com todas as dificuldades e vitórias que aparecerão ao longo do percurso. Sempre me perguntam com qual membro da família eu mais me identifico e sempre digo que é o Bart, o filho rebelde, pela naturalidade com que ele faz certas coisas que eu jamais conseguiria fazer e, por outro lado, meus amigos estão sempre me dizendo que eu pareço por demais com o Homer, chefe da casa (e não somente pelo visual estético, mas também pelo lado responsável dentro de toda aquela irresponsabilidade e pelo jeito franco e espontâneo com que encara qualquer situação). E é pela facilidade de relacionamento que eu mantenho com essa família e com a animação de uma forma geral, que fica fácil expressar aqui o quanto considero a franquia uma das melhores atrações que a televisão americana ofereceu em toda a sua história.

Trailer de Os Simpsons - 3D:
Abertura (feita pelo artista plástico Bansky):
Os Simpsons no Brasil (em inglês):


       

     

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Musas: Charlize Theron



Provavelmente o ditado mais famoso do mundo é aquele que diz que "beleza não pôe mesa". As pessoas, de forma geral, estão sempre tentando afastar estética e talento, como se ambas andarem lado a lado fosse uma tarefa impossível. Aqueles que dizem isso certamente não conhecem a nossa musa de hoje: a atriz sul-africana Charlize Theron. De modelo aos 16 anos, após ganhar um concurso em sua cidade natal (indo trabalhar para a agência Pauline's) e uma prematura carreira como dançarina, interrompida por uma lesão no joelho aos 19 anos, a hoje mensageira da paz das Nações Unidas foi um longo percurso cheio de reviravoltas. Porém, sua grande chance como artista viria mesmo após fazer uma cena diante de um caixa de banco quando foi descontar um cheque, logo atraindo a atenção de um descobridor de talentos.

O ativismo e a polêmica sempre fizeram parte de sua vida: seja por presenciar a mãe matando (em legítima defesa) o pai, que a agredia constantemente, seja envolvida em organizações em defesa dos direitos da mulher, na luta pró-aborto, em favor do casamento gay e como membro ativa do PETA (de defesa aos animais). Sua estreia no cinema em 1985 - com míseros 10 anos - num filme B chamado Children of the corn III, mesmo numa participação sem fala e por poucos segundos, foi o necessário para agradar os produtores de hollywood, o que lhe renderia papeis nos filmes Contrato de Risco, de John Herzfeld e The Wonders: o sonho não acabou, de Tom Hanks.

Meu primeiro contato com um filme em que trabalhou foi, em 1997, no misto de suspense e ação O Advogado do Diabo, de Taylor Hackford, em que faz a esposa do personagem protagonista cujo pai é nada menos do que o diabólico Lúcifer, interpretado pelo ator Keanu Reeves. Entre 1998 e 2002, participa de uma série de longas de aventura e dramas pessoais, onde destaco o romântico Regras da Vida, de Lasse Hallstrom (fazendo par com Tobey Maguire), Homens de Honra, de George Tillman Jr, onde acaba ofuscada pelo duelo de atuações entre os atores Cuba Gooding Jr e Robert de Niro e o comovente e profundo Doce Novembro, de Pat O'connor, quando realmente começou a chamar minha atenção em papeis mais pesados e de construção narrativa mais pesada, na pele de uma mulher marcada por uma doença incurável e relacionamentos de curta duração em demasia.

O ano de 2003 seria o início de sua apoteose com o Oscar de melhor atriz ganho por sua interpretação da serial killer Aileen Wournos no filme Monster: desejo assassino, de Patty Jenkins. Nos anos seguintes, se destacaria como Britt Ekland em A vida e a morte de Peter Sellers, de Stephen Hopkins (com belíssimo trabalho de Geofrey Rush no papel-título) e como Josey Ames, primeira mulher a vencer um processo por assédio sexual nos EUA em Terra Fria, de Niki Caro. Seus últimos personagens, a heroína Mary de Hancock, sátira de Peter Berg, a fútil Sylvia de Vidas que Cruzam, de Guillermo Arriaga e a quase inexistente aparição na ficção-científica A Estrada, de John Hillcoat, não lhe renderam boas críticas, o que vem gerando comentários nos tablóides de que é hora de mudar os rumos de sua carreira.

Seu último projeto finalizado é a animação Astroboy e está cotada para participar de Mad Max: Fury Road, reboot da clássica franquia eternizada no cinema pela dupla Mel Gibson e George Miller. Um projeto que vem sofrendo com sucessivos atrasos e cancelamentos os mais diversos. Além disso, rumores atestam que Charlize pode vir a compor o elenco do terceiro longametragem de Batman, dirigido por Christopher Nolan, na pele de uma soçialite. Entre altos e baixos, ninguém nega o talento (e a beleza, é lógico!) de Charlize Theron. Uma prova mais do que viva de que aquele ditado que começou esse texto muitas vezes não está com nada. Em algumas ocasiões (como esta, por exemplo) ele até atrapalha.

 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Música: "MTV Acústico", de Cássia Eller.



Depois de terminar de ler a biografia "Apenas uma garotinha" sobre a vida da cantora Cássia Eller e retomar o contato com seu trabalho musical, percebi facetas da artista que, até então, nunca tinha me dado conta. Cássia era múltipla: pop, rock, forró, mangue beat, rap, funk, reggae, Beatles, Nirvana, uma mistura infindável de estilos os mais diversos. E era dessa diversidade a serviço de uma voz poderosa que conhecemos uma das performers mais geniais da recente MPB. E, para infelicidade dos fãs,  um talento que nos abandonou prematuramente, no auge de sua competência artística e totalmente ciente do que ainda poderia oferecer como cantora e instrumentista. Porém, como nem tudo são lágrimas e desespero, também é verdade que Cássia Eller nos deixou um legado a ser admirado sempre que possível. E esse legado é o CD e DVD MTV Acústico.

Gravado de forma intimista - um formato em que, se tratando da artista (avessa a intimidades e aparições) - já é por si só uma grande inovação, Cássia ousa, ruge, brinca, blefa, incita, faz o público tremer, chorar, sorrir, cantar e endeusá-la a máxima categoria de diva. O que ela, sem sombra de dúvidas, merece. E o grande mérito do sucesso desse disco está na escolha do repertório, verdadeiro pout-pourri das influências da cantora. Num universo que vai de Chico Buarque a Riachão, de Renato Russo a Nando Reis (seu parceiro mais frequente nos últimos anos) de Cazuza a Chico Science, a artista enlouquece a plateia com sua voz ácida e muito bem definida, perfeita para o que o projeto tem como propósito.

Difícil eleger as favoritas de um álbum que é praticamente perfeito, mas vale a pena enaltecer a abertura com Non, Je ne regrette rien (obra máxima consagrada mundialmente pela voz exuberante de Edith Piaf), Malandragem, a inusitada Vá morar com o Diabo, Por Enquanto, O segundo Sol, o eterno clássico beatlemaníaco Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e o fechamento em altos decibéis e bem ao estilo da cantora com Top Top. Contudo, exaltadas as faixas acima, esse MTV Acústico é trabalho sólido e certamente vale, de forma integral, por seu conteúdo coeso e muito bem distribuído.

Resumo da ópera: lembro de quando li pela primeira vez um livro de poesias de Paulo Leminski. Meu mundo mudou completamente! E isso tinha um motivo muito claro de ser: Leminski conseguia ser muitos dentro de um só. Ele era uma versão pop de todos os heterônimos de Fernando Pessoa num só indivíduo e assinando apenas como um. Toda vez que ouço o MTV Acústico de Cássia Eller - até hoje, para mim, o melhor de toda a série que foi produzida - tenho essa mesma dimensão: a de estar diante de muitas mulheres e seus dilemas interiores dentro de uma só pessoa. No caso, uma menina tímida, fechada em si mesmo, frágil, cujo único lugar em que se sentia em paz consigo mesma e era capaz de ser verdadeira, sem recalques, era no palco. E que falta essa menina está fazendo atualmente!

Momentos máximos do show:
     

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Memória: o Dream Team (Olímpiadas de Barcelona, 1992)



Eu leio a última biografia da banda de rock Led Zeppelin que se chama "Quando os gigantes caminhavam sobre a terra". Meu primo, de uma geração anterior a minha, e que acompanhou a era dourada do grupo, olha pra mim sorridente, concordando com a escolha do título. No entanto, em minha cabeça uma outra geração (que nada tem a ver com a música) merece muito mais aquela alcunha. Porém, a grande questão é: até que ponto podemos chamar uma seleção de jogadores de basquete de gênios? Não seria exagero? Honestamente, quem não presenciou ou assistiu o Dream Team de basquete dos EUA nas olímpiadas de Barcelona em 1992, não faz ideia da revolução que esses "seres celestiais" causaram na história da competição.

Até então basquete profissional em Jogos Olímpicos era proibido. Os atletas enviados para representar suas nações eram, em sua grande maioria, oriundos das ligas universitárias ou completos amadores. Até aquele fatídico ano de 1992. Inicialmente, a expectativa era de apenas mais uma disputa equilibrada, principalmente entre americanos e soviéticos (como, aliás, vinha sendo a rotina na modalidade até então). Contudo, algo de mágico, de inesquecível, inimaginável na mente de qualquer torcedor, aconteceu. Aqueles homens levitavam, deslizavam, pareciam soldados num campo de batalha quando marcavam homem a homem. Eram praticamente máquinas. E ninguém era capaz de pará-los, por mais que tentassem.

Também você queria o quê? Uma seleção que contava com os esforços conjuntos e o talento de nomes como Michael Jordan, Magic Johnson, Patrick Ewing, David Robinson, Larry Bird, Karl Malone, Charles Barkley... Não precisava de mais nada para faturar a medalha de ouro. O técnico (só para constar, o seu nome era Chuck Daly) era mera figura decorativa diante daqueles titãs da bola. Os adversários, tombados um a um, por uma diferença de score que girava em torno de 30 pontos a cada etapa da competição, ficavam perplexos diante da grande brincadeira que aquelas máquinas de jogar bola estavam oferecendo aos espectadores, que iam ao delírio repetidas vezes, a cada enterrada ou cesta de três pontos convertida. Não houve ninguém capaz de inibi-los ou estragar a festa.

Em poucas palavras, é fácil definir uma equipe como essa: eles foram o correspondente, no basquete, da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1970. Nas Olímpiadas seguintes, a delegação norte-americana ainda tentou continuar o legado (ou marketing) com um suposto Dream Team 2. Pura perda de tempo! Mal sabiam eles que aquele era um fenômeno temporal, que existiu para durar apenas aquele tempo exato da competição, entrar para história e nada mais. Nunca mais houve uma equipe como aquela. Até hoje especialistas no esporte tentam encontrar explicações plausíveis para entender o que aconteceu de fato naquele ano.

"Os deuses estiveram na terra", eu lembro de ter dito ao meu vizinho, na época, ao final da partida que lhes daria a medalha de ouro. E, acreditem, foi realmente isso que aconteceu.

10 Jogadas Inesquecíveis:

sábado, 20 de novembro de 2010

Lendas: Jimi Hendrix (1942-1970)



Algumas pessoas precisam de muito pouco para se tornarem geniais, lendárias, indispensáveis. Jimi Hendrix foi uma delas. Ele não é chamado de o maior guitarrista de todos os tempos à toa. Há um motivo bem claro para tal façanha: ele ousou. E muito. De uma maneira que muitos, na época e até mesmo nos dias de hoje, não teriam coragem de ousar. O menino de raízes indígenas, que conviveu muito cedo com tragédias pessoais (como o divórcio dos pais e a morte da mãe, quando ele era apenas um adolescente de 16 anos), aos cinco viu seu mundo mudar quando ganhou de presente sua primeria guitarra. Estavam abertas ali as portas do éden musical para Hendrix.

Influenciado de forma maciça por gigantes do blues como B. B. King, Muddy Waters, Howlin' Wolf, Albert King e Elmore James e continuando o legado de guitarristas de Rhythm and Blues e Soul como Curtis Mayfield e Steve Cropper (isso, é claro, sem deixar de lado sua paixão pelo jazz moderno), Hendrix revolucionou o gênero e mudou definitivamente a forma de se apresentar para o público portando uma guitarra. O jovem que queria fazer com seu instrumento "o que Little Richard fez com sua voz", fugia do convencional sempre que era viável. Seus amplificadores eram sempre distorcidos, crus, escolhidos a dedo por valorizar os agudos e os riffs que tanto admirava. Além disso, popularizou o pedal Wah-wah no rock n' roll, que lhe permitia dar um timbre exagerado em seus solos, levando a plateia ao delírio.

O canhoto de estilo único, que deu a tão indesejada microfonia um sentido artístico, conseguia transformar sua guitarra - a preferida era sempre uma Fender Stratocaster - em qualquer coisa que desejasse: de uma metralhadora furiosa ao grito desesperado de uma mulher. Esse era o diferencial de Jimi. Sucessos não faltaram ao longo da curta carreira, dentre eles destaco aqui entre os meus preferidos, Hey Joe, All Along the Watchtower, Voodoo Child, Foxy Lady e a apocalíptica (interpretação exclusivamente minha) Purple Haze.   

Apesar de suas apresentações antológicas no Festival de Woodstock (em 1969) e na Ilha de Wight, no ano seguinte, a grande apoteose de Hendrix foi mesmo no Festival Monterey Pop (em 1967), com a presença ilustre, na plateia, de celebridades como Mick Jagger, Pete Townsend e Eric Clapton, entre outras feras. O ponto máximo do show - quando o artista põe fogo a sua própria guitarra, numa espécie de simbolismo às vítimas de guerras passadas nos EUA - até hoje é considerado por críticos conceituados como um dos maiores marcos da história da música no mundo. Lembro que quando assisti ao espetáculo no canal a cabo Concert Channel fiquei simplesmente estático diante da tela, pois nunca tinha visto antes algo do tipo.

Apesar da morte prematura e em circunstâncias até hoje não muito bem explicadas (o que, logo de cara, faz com que os fãs se perguntem a que nível o guitarrista teria chegado se ainda estivesse vivo!), pensar em Hendrix certamente é assunto para muitos estudos acadêmicos, matérias especiais em revistas e teses de doutorado. "Como ele conseguia fazer aquilo?", eu até hoje me pergunto. Por que nas suas mãos aquele pequeno artefato parecia tão gigantesco e simples de ser manuseado? Perguntas como essas, infelizmente ficarão sem respostas. Ainda bem que, pelo menos, seu registro musical é eterno e ainda pode conquistar gerações de admiradores ao redor do mundo!

Momentos mágicos do gênio:

Purple Haze:
Voodoo Child:
 

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Quadrinhos: "O Chinês Americano", de Gene Luen Yang



Qual foi o jovem na face da terra que já não se perguntou a respeito de qual o seu papel na história da humanidade? É, meus caros amigos visitantes desse cínico blog! Parece uma tarefa quase impossível dissociar as palavras juventude e conflito quando estamos nessa fase, não é mesmo? Nessas horas sempre me lembro da genialidade de William Shakespeare ao criar Hamlet, o adulto juvenil, cheio de questionamentos, capaz de qualquer coisa para vingar a morte do pai. Na história a seguir, essas indefinições estão bastante presentes na vida do protagonista, senão para encucá-lo cada vez mais, para fazê-lo desistir a qualquer custo do caminho a ser traçado.

Vejamos: um rei macaco em busca de aceitação como realeza, um garoto asiático tímido lutando contra o preconceito de viver numa terra estrangeira e um primo chato que, ano após ano, vem infernizar a vida de um garoto americano cheio de conflitos existenciais. Três histórias que, na verdade, são a mesma e única história. Em O Chinês Americano, graphic Novel de Gene Luen Yang, é apresentada aos leitores uma narrativa que teria tudo para se tornar uma saga sobre redenção ou mudança de atitude. No entanto, o que se percebe é que o verdadeiro problema em xeque aqui é a questão do respeito à sua própria identidade, independente do lugar onde se viva.

Seja através de relacionamentos amorosos frustrados, seja pelo descrédito dos outros que o vêem como uma ameaça só por ser de uma etnia diferente, seja pelas verdadeiras amizades que ele consegue estragar ao longo do caminho, Jim Wang - o nosso personagem envergonhado e cheio de dilemas morais e recalques - vai se arrastando (é bem esse o termo!) por uma vida sem viço, procurando por respostas nos lugares mais difíceis e acreditando verdadeiramente que a única maneira de viver plenamente é sendo aceito pelos demais (ou seja, traindo a sua própria essência como cidadão asiático).

Contado de uma maneira simples e sem as reviravoltas fabulosas com que costumeiramente os quadrinhos mais vendidos têm se apegado para conquistar uma multidão de fãs, o quadrinista cria um mundo mágico, aproveitando-se de uma antiga lenda chinesa, recontada aos dias de hoje,  e mostrando que muitas vezes a felicidade que tanto procuramos fora de nossa rotina, na maior parte do tempo está dentro de nós.

Uma publicação singela que se tornou a primeira história em quadrinhos a ser indicada ao National Book Award, um dos maiores prêmios literários do mundo, e atingindo a categoria sublime de obras gráficas essenciais como Maus, de Art Spiegelman e Avenida Dropsie, de Will Eisner. Em poucas palavras: um "colírio" para os olhos de qualquer fã da nona arte.

 

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Cinema Cult: "Rede de Intrigas", de Sidney Lumet



Desde que a televisão foi criada com o propósito de se tornar uma caixa mágica, sedutora, capaz de oferecer sonhos para seus espectadores, a sociedade passou por um processo de decréscimo intelectual gigantesco. Nunca se preferiu tanto a alienação ao conhecimento como nos atuais tempos caóticos em que vivemos. Contudo, sempre fiquei me perguntando: "E antigamente? Como se dava essa influência? O que os antigos produtores das redes de TV e corporações de mídia faziam para atrair seu público e mantê-lo devidamente adestrado em frente a seus aparelhos, desejando cada dia mais e mais espetáculo, sonhando com mais intensidade do que nunca uma vida de glamour e status como os dos personagens ficcionais?

Rede de Intrigas, de Sidney Lumet, responde a grande parte dessas perguntas (e olha que se trata de uma produção realizada num tempo em que a TV não se escondia atrás de tecnologias de captação de imagem, mujito menos apregoava seu sucesso a selos como HD, 3D ou outros modelos de exibição!). Numa América devastada pela derrota no Vietnã, em que ideologia e valores simplesmente não significam mais nada para a população - um retrato mórbido do "The dream is over", que John Lennon tanto enfatizou em seu discurso pop/rock -, e com a programação televisiva passando a ser o único antídoto contra todo tipo de mal-estar vigente, um homem angustiado e às vésperas de ser demitido decide levantar-se contra os poderosos e o sistema opressor que vigora ceifando vidas como se fossem brinquedos descartáveis. E ele acredita piamente que essa é a única forma de fazer a população cair em si.

Seu nome é Howard Beale (uma magnífica interpretação de Peter Finch), jornalista de rede de mídia UBS que, com suas alucinadas apresentações, informando que se suicidará, condenando as autoridades, expondo falcatruas e escândalos de uma maneira um tanto sarcástica e paranóica, atinge em cheio o interesse do público e, consequentemente, dos gestores da rede, que passam a vê-lo como uma mina de ouro para salvar a emissora da crise financeira. Porém, quando a língua ferina de Howard começa a disparar contra quem não deve (os chamados "intocáveis" do mundo televisivo), os dirigentes começam a perceber que o feitiço pode virar-se contra o feiticeiro e caso não tomem as rédeas da situação o caos instaurado pode ser muito pior do que qualquer pico de audiência, acarretando no fim da própria corporação que patrocinou o espetáculo midiático.

O que se percebe, ao fim das mais de duas horas de filme, é que em pouco mais de três décadas o cenário do mundo corporativo não só continuou o mesmo, como a mentalidade da população piorou - e muito!. Um mercado que continua aproveitando-se de messias os mais diversos e profetas charlatanescos e abusando da má-fé com o público espectador para conquistar suas audiências arrebatadoras e vender produtos os mais diversos, sem se importar com qualquer tipo de ética. Rede de Intrigas é aquele tipo de película que deveria ser obrigatória no curriculum de qualquer instituição de ensino (do fundamental ao universitário), por expor as mazelas construídas a toque de caixa por um grupo seleto de criminosos que se escondem sob o título de "empresários", mas que na verdade, são um dos maiores responsáveis pelo nível de alienação que invade os domicílios diariamente.

Uma produção que deveria atingir a todos, mas que infelizmente, por falta de instrução adequada e de interesse de uma minora covarde, acaba por atingir apenas parcelas irrisórias da população. O que, no final das contas, é uma grande lástima!

Trecho do filme:

sábado, 6 de novembro de 2010

Literatura: "O Campeonato", de Flávio Carneiro



Como leitor inveterado de romances policiais estou sempre em busca de obras originais, que fujam do senso comum e do oráculo da mesmice que invadiu alguns segmentos do mercado editorial contemporâneo. Nada me atrai mais do que uma história no gênero que fuja dos padrões habituais com os quais estou acostumado a me deparar com frequência (tais como: serial killers, crimes passionais e a clássica acusação ao mordomo - leia-se sempre: a figura mais insuspeita de toda a trama - como assassino desvendado nas páginas finais). Em O Campeonato, de Flávio Carneiro, tive uma das experiências mais inusitadas e divertidas dos últimos anos. O autor exibe todo o seu talento em uma prosa satírica que segue a trilha de grandes autores como o brasileiro Rubem Fonseca e os estrangeiros Ben Elton e Elmore Leonard.

Um conto antigo, uma seita alucinada composta por executivos do mais alto escalão, um homem comum em busca de sustento e muita confusão: esses poucos elementos, quando reunidos, fazem do romance uma criação fenomenal. A trama é simples: André é o típico vagabundo carioca. Não para em um emprego sequer, vive se engalfinhando com sua namorada num relacionamento mais do que desgastado e seu único amigo é Gordo, um beberrão notório cujo único talento é tramar conspirações e contar suas travessuras numa mesa de bar. A única coisa na qual o protagonista dessa história é bom chama-se leitura. André lê vorazmente e, de preferência, histórias policiais. E pensando ver nisso algum tipo de dom decide fazer um curso de detetive por correspondência e tornar-se profissional do ramo. O que ele não imaginava é que o seu primeiro cliente, o destemido empresário Montenegro, na ânsia de descobrir o paradeiro do filho desaparecido há alguns meses, iria colocá-lo em rota de colisão com um mundo torpe e extremamente cruel.

Apoiado pelo eterno parceiro de copo/amigo de bar e pela bela Mariana, a quem conhece ao longo da investigação (e por quem se apaixona), André vai decifrando aquele universo cheio de malícia e revestido por um grau absurdo de arrogância e abuso de poder. Transitando por entre festas glamourosas da alta roda e centros religiosos como o do espiritualista Santo, peça-chave no entendimento do que aquele mundo doentio representa e o que ele é capaz de fazer com qualquer pessoa que atravesse o seu caminho, o detetive de primeira viagem percebe que sair vivo ao final dessa história já é, por si só, um belíssimo honorário por seus serviços prestados.

Flávio Carneiro atiça o leitor a cada parágrafo com um senso de humor muito bem dosado e que me remete a antigos livros policiais do mestre Marcos Rey, idealizador do programa infantil Vila Sésamo aqui no Brasil e também um virtuose da palavra quando o assunto é história criminal. Mostrando os contrapontos existentes entre a zona sul carioca e certos bairros emblemáticos do subúrbio, a saga de André parece, em muitos aspectos, com aqueles sonhos que todo jovem movido unicamente pela curiosidade já teve algum dia, querendo decifrar algum tipo de mistério. E para compor esse quadro, o autor utiliza-se de ferramentas básicas do gênero: mulheres bonitas, tramóias as mais diversas, megaempresários inescrupulosos envolvidos em algum tipo de falcatrua ou clã misterioso e muitas reviravoltas, para dar liga ao enredo.

Engraçado e sem soar apelativo em momento algum, O Campeonato é a pedida ideal para quem procura uma leitura descontraída e instigante. Diferente de certas "novidades" que andam dando as caras ultimamente nas pratelerias das livrarias!



terça-feira, 2 de novembro de 2010

Opinião crítica: O ridículo venceu (ou notas tardias para o VMB 2010)



Entro na Saraiva Megastore do Norte Shopping pela quinquagésima vez (não dá pra resistir: eu amo livrarias e a capacidade inebriante que elas têm de me conquistar oferecendo tão pouco!) e vejo, entre uma pilha de livros relegados a segundo plano, os chamados saldos - a garotada de hoje só quer saber de Stephenie Meyer e J.K. Rowland - um exemplar curioso: Como a picaretagem conquistou o mundo: equívocos da modernidade, de Francis Wheen. Imediatamente meu desconfiômetro preciso e biológico reage ao que os olhos simplesmente não querem crer que exista nessa seara que é o mercado editorial. "Que livro mais cínico", penso comigo, "típico escritorzinho de meia-tigela que quer ficar famoso a qualquer custo, escrevendo qualquer baboseira". Faz oito meses mais ou menos que essa cena aconteceu e hoje, vencido pelos fatos, confesso aqui nesse blog: o Sr. Wheen é, na verdade, um visionário e quase um profeta! Fomos vencidos pelo ridículo nessa era onde convergência e tecnologia andam de mãos dadas até se você quiser ir ao banheiro.

E o ápice desse meu desabafo tem a ver com a pouco mais de meia hora em que fiquei em frente a TV assistindo ao tão cultuado (hoje as novas gerações podem até chamá-lo de evento obrigatório, que não estarão cometendo nenhuma sandice) VMB ou Video Music Brasil 2010. Dá na mesma, mas o pessoal que é fã e não perde um ano sequer prefere a sigla, tem mais a ver com certos dialetos escritos em redes sociais como Orkut, Facebook, Twitter e outros formatos co-irmãos. Pois bem: falar do VMB é falar do retrato mais bem definido da bizarrice humana na contemporaneidade. Em nenhum outro programa da face da terra você acompanhará uma alcatéia - gosto de comparações com coletivos animalescos - tão grande de inúteis sem conteúdo algum ou simplesmente marqueteiros ridículos profissionais que fazem de tudo (e eu disse de tudo mesmo!) para chamar a sua atenção e, principalmente, conquistar a sua audiência.

Faço uma pausa rápida nesse momento para lembrar do indivíduo internacional mais famoso dessa classe que nasceu nos últimos anos, do homem que praticamente inventou essa profissão do "quero ser famoso a qualquer custo": o ator hollywoodiano Ashton Kutcher. Ele faz misérias - no mau sentido, é claro! - sempre muito bem acompanhado por sua câmera ou celular de última geração. Exibe seu corpanzil sarado pra dar e vender, tira fotos de sua mulher (a outrora exuberante e hoje plastificada Demi Moore) em trajes íntimos ou se despindo, pula na piscina da casa de outros amigos, também celebridades, trajando smoking, em meio a festas badaladas, aparece fumando maconha em lugares públicos, enfim... É o cara que melhor representa essa geração vazia. E o melhor: tudo disponível gratuitamente em seu perfil no Twitter, que lhe rendeu a fama de mais visitado do mundo e que é o verdadeiro Vade-Mécum dos desejos de dez entre dez desajustados de plantão. Por isso, aqui nesse texto ele é referência imprescindível.

Pego o mote desse gênio da idiotice e volto às terras tupiniquins e ao tão fantástico mundo do VMB. Teve de tudo que vocês jamais acreditariam que pudesse existir: Bento Ribeiro, filho do imortal da Academia Brasileira de Letras João Ubaldo Ribeiro, fazendo papel de bêbado e beijando uma mulher gorda na plateia ao saber de sua premiação (lógico que tudo devidamente combinado previamente), Danilo Gantili, repórter do CQC, muito "bem" acompanhado dos lutadores de MMA, verdadeiras enciclopédias de inteligência e humildade do mundo atual, o astro e bad boy do momento, o jogador do Santos Neymar e sua fantástica arrogância e esnobismo afiadíssimo para o evento, cantores os mais inusitados e fora do tom possível, como o pernambucano Otto e o grande vencedor da noite - que eu só fiquei sabendo no dia seguinte ao ler matéria no Jornal do Brasil - a banda Restart, uma mistura de... De quê mesmo? Deixa pra lá. Eu tenho até medo de responder. Sabrina Sato, do Pãnico na TV, que nem lembrava dos indicados da categoria que apresentou, o ícone do You Tube no momento, Felipe Neto, que fez "carreira" falando mal do Fiuk, filho do cantor Fábio Júnior, na internet. "Será que se eu falar mal dele fico famoso também?", me pergunto. Gente. Que festa! E olha que eu acompanhei menos de 40 minutos de espetáculo e já pude conferir todos esses talentos juntos.

Onde fomos parar como seres humanos? Chegamos definitivamente ao fundo do poço? É isso que chamamos de cultura? Ainda dá pra salvarmos nossa sanidade em meio a toda essa megalomania exagerada que invadiu as emissoras de TV, programas de rádio, as ruas, festas, bailes, raves, boates e outros points badalados? Não sei. Essas e muitas outras questões - que deixo logo claro que não são todas apenas minhas, pois alguns colegas tão assoberbados quanto eu quiseram contribuir com suas dúvidas e apreensões também - estão e pelo jeito ainda ficarão muito tempo sem serem respondidas, já que o idiotismo (esqueci de dizer que, de vez em quando, gosto de trabalhar com neologismos também) virou sinônimo ou, se quisermos ir mais além, marca registrada para classificar novos talentos. Talentos esses que eu não vejo, não ouço, não entendo. Só que eu sou um caso à parte. E casos à parte no Brasil normalmente são vistos como pessoas anormais e não viram manchete nos jornais.


Alguns momentos mágicos dessa "festa inesquecível":


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Cineastas: Francis Ford Coppola



Uma das coisas que mais me atrai em cinema é a visão pessoal dos diretores (isso para os que são realmente diretores de cinema e não meros fabricantes de blockbusters, como tenho visto com mais frequência nos últimos anos). E isso Francis Ford Coppola sempre teve, desde sua estreia cinematográfica em 1963 dirigindo o curta Dementia 13, uma obra simples e aterradora, bem ao estilo dos grandes realizadores hollywoodianos que, concomitantemente, viram sucesso na terra das oportunidades. Ele sempre foi o homem dos projetos audaciosos e grandiosos e, mesmo que muitas vezes tenha esbarrado nos limites impostos pelo regime castrador das produtoras, tendo de abortar muitos de seus projetos mais queridos, ainda assim ele imprimiu uma marca única na história do cinema. E não à toa fez de sua obra-prima em duas partes uma lenda na premiação do Oscar.

Francis Ford Coppola nasceu em 7 de abril de 1939. O filho de Carmine Coppola, músico e compositor, não teve vida fácil desde pequeno (aos 9 anos de idade teve poliomielite, o que quase arruinou sua vida e tirou do público o contato com um grande gênio das câmeras). Após uma formação universitária na UCLA, ganhou a vida no começo da carreira escrevendo roteiros e produzindo películas de baixo orçamento, algumas delas de cunho erótico, ao lado do parceiro e também diretor Roger Corman, até seu primeiro contato com a câmera na década de 1960. Porém, seu sucesso consagrador só ocorreria realmente em 1972, quando do lançamento de sua obra-prima O Poderoso Chefão, adaptação para as telas do romance do escritor Mario Puzo, que contava a saga da família Corleone e sua escalada rumo ao poder. Sucesso esse que se repetiria dois anos depois na continuação, que trazia a juventude do patriarca dessa família, Don Vito Corleone. Ambos os filmes foram consagrados com o Oscar de Melhor Filme (Coppola também ganharia o prêmio de melhor diretor e roteiro pela segunda parte da saga e o de roteiro original pelo filme Patton: rebelde ou herói).

À parte o megasucesso da obra-prima gângster, o diretor sairia-se melhor produzindo para outros cineastas, dentre eles alguns velhos parceiros do tempo de faculdade, como foram as produções THX 1138 e American Graffiti (de George Lucas), Kagemusha (de Akira Kurosawa) e A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça (de Tim Burton). Contudo, ainda teve fôlego - resguardados alguns problemas de produção, ego dos artistas e falta de apoio de algumas distribuidoras - para realizar o fantástico filme de espionagem A Conversação (com Gene Hackman na pele de um araponga que acaba caindo numa grave crise de consciência) e arrebatar plateias em 1979 com seu majestoso épico de guerra Apocalipse Now, baseado na clássica obra literária de Joseph Conrad, e vencedora da Palma de Ouro em Cannes. Um produção, entretanto, que foi pautada por todos os tipos de excessos, como o enfarte de Martin Sheen durante as filmagens e a decisão de dirigir Marlon Brando em planos fechados e escuros para ocultar sua obesidade mórbida que já dava sinais mais do que evidentes. 

No mais, Coppola oscilou entre retratos da rebeldia e da juventude perdida (como O Selvagem da Motocicleta, Jovens sem Rumo e Peggy Sue: seu passado a espera, onde trabalhou com seu sobrinho Nicolas Cage em início de carreira), a paixão por automóveis (Tucker: um homem e seu sonho), musicais mal sucedidos (o interessante Cotton Club, com majestosa performance do dançarino Gregory Hines, e o até hoje incompreendido Do Fundo do Coração, com Raul Julia e Nastassja Kinski) e uma parceria inusitada com o astro pop Michael Jackson (Capitain EO), até hoje considerada uma das produções mais caras de todos os tempos, feita para um dos parques da Disney. O sucesso de fato só bateria às portas novamente com o clássico de terror Drácula de Bram Stoker, por muitos críticos considerado o seu último filme autoral. Em 2000 ausenta-se do cenário cinematográfico para cultivar em seus vinhedos, hoje sua maior paixão.

Provavelmente os maiores interesses de Coppola na indústria do cinema atualmente sejam a filha prodígio Sofia Coppola, que vem se especializando em dramas humanos - como Encontros e Desencontros e As Virgens Suicidas - e na produtora American Zoetrope onde atualmente está envolvido na produção do filme On the Road, obra máxima da Beat Generation de autoria do escritor Jack Kerouac, a ser dirigido pelo brasileiro Walter Salles. Seus últimos dois filmes (Youth without Youth e Tetro) passaram despercebidos pelo circuito e ele ainda arrisca uma nova produção, voltando ao gênero horror em Twixt now and Sunrise, que contará com Val Kilmer e Elle Fanning no elenco. Para os mais saudosistas pode parecer pouco (e realmente é, se levarmos em consideração a grandiosidade de seus melhores projetos), mas Coppola simplesmente não se incomoda mais com isso. De alguma forma ela sabe que seu tempo áureo já passou e a única coisa que deseja é sombra e vinho fresco. "O resto", sempre dizem os gigantes da sétima arte quando estão praticamente aposentados, "é pura nostalgia".


Trechos de alguns filmes do cineasta:

Apocalipse Now:
O Poderoso Chefão:
Drácula de Bram Stoker:

domingo, 24 de outubro de 2010

Música: "Supernatural", de Santana



Sou fã de Carlos Santana desde que me entendo por gente (ou, mais especificamente, desde que ouvi uma fita cassete - bota tempo! - de sua apresentação no lendário Festival de Woodstock que mudou os rumos da sociedade vigente na época). Algumas pessoas tiveram a honra em vida de ouvir os riffs elétricos de Jimi Hendrix em Purple Haze, outros alucinaram com a simplicidade de David Gilmour, e houve ainda, outros, mais ecléticos, que se deslumbraram com as excentricidades de Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin, aos primeiros acordes de Dazed and Confused. Eu tive Santana. E lembro exatamente do dia em que subiu ao palco do Maracanã no Rock in Rio 2, em 1991, ao lado do cantor brasileiro Djavan, para executar Oceano. Uma experiência inesquecível e única!

Na última década (refiro-me aos anos 90), depois de CDs encalhados nas prateleiras das lojas e uma carreira em crise, quando muitos a acreditavam mais do que encerrada, o guitarrista decidiu enveredar pelo mundo dos duetos, algo que o tornou alvo de grandes críticas por parte dos fãs mais clássicos que se deliciavam a cada solo de Oye Como Va, Black Magic Woman e Soul Sacrifice. Contudo, verdade seja dita, em seu primeiro trabalho dentro desse formato - o majestoso Supernatural, gravado em 1999 - ele não só se saiu extraordinariamente bem como chamou para o estúdio junto com ele vozes que fizeram do álbum uma quase obra-prima.

Alternando em 14 faixas e pegada latina, o R&B e trazendo como complemento muito bem cuidado solos arrasadores, Santana constrói um acervo de canções que ficaram pra história e são ouvidas frequentemente nas rádios (fator que nem sempre se repetiu em seus álbuns seguintes, apesar de ter permanecido no formato em parceria nos posteriores Shaman e All that I am). Trazendo convidados ilustres como a musa do Hip Hop Lauryn Hill, Rob Thomas, o bluesman Eric Clapton numa dobradinha de guitarras impecável, Eagle Eye Cherry e os grupos Maná e Dave Mathews Band, Santana ferve e exorciza seus demônios particulares em músicas que parecem, em muitos momentos, verdadeiros hinos.

Entre os destaques do álbum vale a pena salientar a faixa de abertura (Da Le) Yaleo com a participação impressionante do percussionista, o hit parade eterno Smooth, Maria Maria (feita em parceria com o Wycleaf Jean, antigo vocalista da banda Fugees e ex-parceiro de Lauryn Hill), Corazón Espinado - que chegou a ter várias regravações, dentre elas uma do cantor sertanejo nacional Leandro - e a sensacional El Farol, que traz à tona um pouco do antigo guitarrista de álbuns passados e faz lembrar (pelo menos para mim) o Santana da época em que gravou o CD Milagro.

Dividido entre o desejo dos mais nostálgicos de que volte a gravar sozinho e a alucinação dos novos fãs, conquistados nos últimos anos, que adoraram a nova faceta do artista, Carlos Santana vai trilhando seu caminho, passando por seus percalços (como qualquer outro sobrevivente do mercado fonográfico), atraindo novas plateias e, principalmente, imprimindo uma nova marca que nada mais é do que uma tendência do mercado. Parece até que somente ele está investindo em parcerias atualmente! Por que quando artistas como Lady Gaga, Beyoncé, Alicia Keys, e tantos outros (só para ficar nos mais conhecidos) investem no formato está tudo bem, mas Santana não pode? "Que me perdoem os fãs", parece dizer o artista em sua nova fase, "mas nem sempre a voz do povo é a voz de Deus".

Alguns hits do álbum:

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Memória: "Armação Ilimitada", de Guel Arraes



Com o fim da ditadura militar no Brasil e a redemocratização proposta pelas Diretas Já - um dos movimentos de maior mobilização da história do país até os dias de hoje -, a TV nacional busca novos valores e conceitos que destoassem da mentalidade vigente na época. O tempo da repressão e do "nada pode" dava lugar a uma necessidade de expurgar todos os males que aquela geração cruel havia exposto a sociedade. A palavra de ordem daqueles dias era reinventar-se. A postura que se procurava era a do liberalismo (muito por conta do público, em sua grande  maioria adolescente, que já acompanhava as peripécias teatrais da companhia Asdrúbal Trouxe o Trombone com seus infinitos jogos e provocações no palco.
A solução encontrada para motivar esse público jovem e ardoroso por ideias as mais alucinadas e febris (mas que tivessem o discurso daquela turma) foi uma dupla de surfistas: Kadu Moliterno e André de Biasi, famoso pelos longametragens cinematográficos Menino do Rio e Garota Dourada, que se transformaram nos heróis Juba e Lula da inesquecível série semanal Armação Ilimitada. O projeto - uma criação conjunta de Euclydes Marinho, Patrícia Travassos, Nelson Motta e Antonio Calmon - precisou de poucas semanas e uma estrutura muito simples para cativar o público que apenas desejava ver suas próprias histórias e estilo de vida nas telas.

Transitando por situações do cotidiano da sociedade brasileira como fatos e personagens regionais como o Jeca Tatu, reforma agrária, orfandade - que nada mais era que a representação dos filhos vítimas da arbitrariedade cometida contra seus pais na época do golpe e posterior exílio -, jabás nas rádios nacionais e, volta e meia, inserindo sátiras a produções hollywoodianas como 007, Rambo, Comando para Matar e filmes de Steven Spielberg (o cineasta mais visto pelo público nos cinemas na época), Armação Ilimitada trazia elementos que divergiam entre a galhofa e a irreverência com um talento nunca antes visto na teledramaturgia nacional e que eram a melhor expressão da voz e do sentimento do povo visto nas ruas.

Seja a jornalista Zelda (Andréa Beltrão), interesse romântico dos dois heróis, a melhor amiga Ronalda (Catarina Abdala), grávida de um filho extraterrestre após uma abdução, o órfão Bacana (Jonas Torres), confidente e parceiro inseparável da dupla, o neurastênico redator-chefe do jornal onde Zelda trabalhava (vivido pelo sempre genial Francisco Milani) ou mesmo a narradora, misto de VJ e radialista, Nara Gil, uma clara alusão a era do videoclipe que vigorava naqueles tempos (que desembocaria, anos mais tarde, na criação da MTV), o programa oferecia o retrato de uma geração que tentava se reconstruir, através do humor, de tantos anos de penúria e ostracismo.

Para quem não viveu o período fiquem com a certeza de terem perdido uma fase nostálgica da televisão brasileira, numa época onde o único interesse era oferecer entretenimento ao público, diferentemente dessa visão niilista de hoje, onde uma grande parcela do público espectador quer ser famoso a qualquer custo, sem o menor talento ou competência para isso (algo que já havia mencionado em post anterior em meu texto sobre a peça Os Clandestinos, de João Falcão. Procurem, caso queiram mais detalhes!). Já para quem acompanhou essa era -como eu - não esquecerá jamais desse tempo em que o simples era mais, muito mais do qualquer engodo chamado de reality alguma coisa ou uma mentira travestida de espetacular.

Abertura da série:

Episódio (com participação da atriz Christiane Torloni):
Parte 1:  
Parte 2:  
Parte 3:  

   

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Animação: "Mary e Max - uma amizade diferente", de Adam Elliot.



Mary Kindle é simples, tímida porém curiosa, filha de uma mãe opressora que quer a qualquer custo mantê-la longe de seus interesses e curiosidades, está sempre fotografando o que acha diferente e sempre à procura de novas amizades onde quer que elas estejam. Max Horowitz é conservador em excesso, recalcado, cheio de manias, sofre da síndrome de Asperger, alucinado por inventar as receitas mais curiosas e de gosto duvidoso (como o cachorro-quente de chocolate e o hambúrguer de espaguete) e totalmente avesso a grandes contatos íntimos com outras pessoas. Duas pessoas que jamais seriam imaginadas lado a lado, batendo um papo, trocando ideias e que, no entanto, graças a uma escolha aleatória nas páginas amarelas e corriqueiras correspondências, transformou-se numa amizade que foge completamente do convencional.

Mary e Max - uma amizade diferente, realizada pelo australiano Adam Elliot, é mais do que simplesmente uma animação engraçada. É praticamente uma parábola sobre o humor às avessas, reunindo no mesmo plano uma parceria que teria tudo para dar errado e, no entanto, acaba se mostrando como a solução para o problema de relacionamento de dois soltários. Se por um lado Mary não entende o mundo daquele homem excessivamente bronco e anti-social, cheio de esquisitices, que pra tudo inventa uma desculpa e que, volta e meia, deixa de enviar suas cartas, quase estragando a amizade postal por uma bobeira, por outro Max não consegue imaginar o que levaria uma menina daquela idade a querer manter uma amizade duradoura com um chato de galocha como ele. Porém, o fato é que - como bem diz a lei de newton da física - os opostos se encontram, se atraem e têm muitas histórias para contar um ao outro.

Contando com as vozes de Toni Colette, Philip Seymour Hoffman e Eric Bana no elenco, Elliot nos entrega de presente uma das produções animadas mais divertidas e corajosas dos últimos anos justamente por não se encaixar em nenhum aspecto no modelo de história que o gênero anda oferecendo aos espectadores nos últimos tempos. Não existem aqui heróis, modelos de conduta a serem seguidos, muito menos uma paixão avassaladora capaz de fazer desmoronar a vida de quem quer que seja. Pelo contrário: o que existe aqui é a busca de um entendimento, de um convívio, respeitando-se os defeitos e diferenças do próximo, mesmo quando essa tarefa parece, à primeira vista, praticamente impossível.

No final das contas o que está diante dos espectadores (que terminam apaixonados ao final da projeção) na pouco mais de uma hora e meia do filme é uma quase-crítica aos relacionamentos virtuais que permeiam nossas vidas na atual sociedade, um mundo em que as pessoas parecem estar fugindo do contato pessoal. Outro dia desses, assistindo um programa do Canal Futura, acompanhei uma entrevista com um terapeuta de renome, com vários livros publicados na praça, verdadeiro best-seller no ramo em que atua, que em determinado momento da conversa dizia: "O grande dilema da sociedade contemporânea é que, por medo de arriscar, de fazer uma tentativa de conhecer o outro, devido a tantas desilusões e decepcionantes desfechos amorosos do passado, estamos preferindo o anonimato da internet. A grande questão é saber até que ponto isso será suficiente para nós". Em Mary e Max, Elliot parece ter enxergado isso e passado a informação adiante de uma forma extremamente inteligente e sem soar agressiva, tornando o resultado aos olhos da plateia um primor.

Trailer oficial de Mary e Max - uma amizade diferente:

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Musas: Monica Bellucci



Assim que me mudei para meu atual endereço conheci um camarada, numa dessas associações esportivas de bairro, que jogava basquete - esporte do qual sempre fui um grande admirador - com uma galera que mais parecia aquele desenho dos Globe-Trotters que passava na Rede Manchete nos anos 80 (aquele em que os jogadores viravam o homem-macarrão, o homem-mola etc... Lembram? É antigo, eu sei). E ele sempre me dizia em nossos bate-papos que "ter como vizinha uma mulher bonita demais sempre é um problema, porque a imagem daquela beleza fica entranhada em sua mente pro resto da vida, não importa pra onde você se mude". Anos depois tive uma vizinha exatamente desse jeito, de nome Carolina, e até hoje me lembro dela, de seus microshorts, de seu sorriso sedutor, de suas pernas torneadas, de uma maneira que só fui me lembrar posteriormente quando vi pela primeira vez na tela a atriz italiana Monica Bellucci. A belíssima ragazza parece exatamente isso: aquela vizinha proibida que você fica olhando furtivamente, sem deixar ela perceber (vai que ela é casada!). O problema é quando simplesmente não se consegue mais parar de olhar para ela.

Bellucci na década de 80 era uma estudante de direito da Universidade de Perúgia. Enfim: uma mulher bonita - certamente já deveria ser quando jovem - que queria enfrentar o crime ou, ao menos, ajudar os menos favorecidos. Muito motivada, obviamente, pelo universo mórbido que abrangia sua escolha, abandona tudo para ingressar num carreira de modelo, aonde chegou a fazer parte do catálogo da Elite Models, uma das  agências mais prestigiadas do mercado, e trabalhou com estilistas de renome mundial como Dolce & Gabbana, além de posar para capas de revistas conceituadas como Elle e GQ, bem como na polêmica foto que fez grávida e nua para a revista Vanity Fair, que escandalizou o Vaticano que disse tratar-se de uma blasfêmia. Contudo, havia algo maior a ser conquistado por essa moça. E esse algo se chamava Hollywood.

A atriz começou até bem na fita, fazendo uma ponta como uma das amantes do Conde Drácula (vivido por Gary Oldman) no clássico de terror homônimo dirigido pelo mestre Francis Ford Coppola, em 1992. Porém, o sucesso - muito por conta de sua beleza esfuziante e arrebatadora - só começaria a despontar verdadeiramente oito anos depois quando interpretou Malèna, protagonista do drama de Giuseppe Tornatore. E desde já confesso que foi aqui o momento crucial em que me encantei por aqueles olhos penetrantes, muito similares ao da "cigana oblíqua e dissimulada" Capitu, da obra máxima de Machado de Assis. No mesmo ano faz um papel de pouca expressão no drama Sob Suspeita, de Stephen Hopkins, em que contracenaria com dois gigantes da sétima arte: os atores Gene Hackman e Morgan Freeman.

Nos três anos seguintes, já consagrada entre as mulheres mais bonitas do cinema mundial, atua em duas produções francesas: o extraordinário Pacto dos Lobos, de Christophe Gans, e o polêmico Irreversível, de Gaspar Noe, que chocou a plateia do Festival de Cannes por conta da forte cena de estupro envolvendo a sua personagem. Logo a seguir, emendou no papel da médica que faz de tudo para salvar seus pacientes em Lágrimas do Sol, do diretor Antoine Fuqua. Até a chegada do visionário projeto Matrix, dividido em três partes, da dupla Andy e Larry Wachowski, no qual interpreta a personagem Perséfone.

Após a revolução matrixiana que invadiu os cinemas, mais um papel polêmico: na pele de Maria Madalena na controversa produção bíblica A Paixão de Cristo, de Mel Gibson (e aqui uma curiosidade: no mesmo ano a atriz foi eleita, pela revista Maxim's, aos 40 anos de idade, a mulher mais bonita do mundo). De 2005 em diante sua imagem vem perdendo o fôlego por conta de suas participações em projetos medianos ou totalmente equivocados, como é o caso de Os Irmãos Grimm, projeto de Terry Gilliam, em que transforma a história da dupla criadora de contos de fadas numa aventura cheia de reveses e sem a menor noção de fidelidade literária, e na pele da prostituta Donna Quintano na comédia de ação Mandando Bala, de Michael Davis, uma das experiências mais surreais do gênero nos últimos anos. E, pra finalizar, uma apagada atuação em A vida íntima de Pippa Lee, de Rebecca Miller, esposa do astro Daniel Day-Lewis, um projeto que poderia (se melhor executado) ter rendido grandes resultados ao elenco.

Minha última experiência com um filme em que trabalhou ela praticamente não atua: trata-se de Aprendiz de Feiticeiro, de Jon Turteltaub, cujo único mérito - pelo menos para a crítica, que no geral o detestou - é mostrar que seu protagonista Nicolas Cage, está numa rota de colisão com o fracasso e precisa abrir os olhos com os projetos nos quais se envolve. Se o futuro promete a bela Monica ares mais auspiciosos, só o tempo dirá. Eu pressinto de cara que será difícil, levando-se em consideração que esse mundo cinematográfico sempre dá prazo de validade às pessoas (Bellucci não é mais nenhuma ninfeta). E no caso da atriz, pesa um agravante: não se trata de uma esplêndida artista dramática essa moça. Contudo, dificilmente os fãs negarão estar diante de uma das mulheres mais bonitas do planeta. Aquele que discordar, cá entre nós, por que está perdendo tempo lendo esse post?


 

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Cinema: "Wall Street - o dinheiro nunca dorme", de Oliver Stone



Quando as torres Gêmeas do World Trade Center foram atingidas pelo ataque terrorista promovido pela Al-Qaeda em 11 de setembro de 2001, os EUA sofreu um nocaute muito maior do que quebrar a sua autoestima e senso de patriotismo. Tocou-se ali no ponto fraco de nossos "amigos" do Tio Sam: o bolso. Uma derrocada financeira abateu-se sobre o país e perdura até os dias atuais. Nunca foi tão difícil conseguir um emprego, pagar uma hipoteca, mater as contas em dia. E se é assim para quem está em franca atividade profissional, imagine então para quem ficou preso por oito anos cumprindo pena por venda de informação privilegiada. Esse é Gordon Gekko (Michael Douglas), o homem  que ditava as regras nos anos 80 e que agora sai da cadeia com uns poucos pertences e a certeza de que perdeu o respeito e a admiração daqueles que realmente importavam. Porém, como não tem tempo para curtir uma fossa nem desempenhar o papel do gato acuado, vencido, e as chances de sucesso dentro do jogo em que ele era um dos melhores são ínfimas atualmente, é preciso ter astúcia. Astúcia e muita paciência. Sabendo lidar com os peões que estão à sua disposição.

Em Wall Street: o dinheiro nunca dorme, Oliver Stone volta a fazer as pezes com a câmera depois de um período extenso de filmes medianos e desnecessários e apresenta em longos planos uma cidade de Nova York marcada pelo medo e a incerteza do que virá nos dias futuros. Dias esses em que Jake Moore (Shia LaBeouf), um dos novos agentes do que hoje podemos chamar de mercado financeiro globalizado, muito mais interessado em questões ambientais e fontes renováveis de energia do que apenas em royalties e contas bancárias majestosas, é uma das grandes estrelas. Diante da paixão (ou ambição, como preferir chamar) desse jovem investidor que namora a sua filha, Gordon Gekko vê as mudanças de postura que terá de assumir para conquistar a sua volta por cima. Porém, logo ali na esquina, está o verdadeiro inimigo: Breton James (Josh Brolin), o tubarão do mercado capitalista em crise, aquele que espera pacientemente as grandes tempestades acontecerem para construir o seu império. Esse é o verdadeiro alvo de Gekko que, para poder atingi-lo, terá de saber lidar (e manipular) com a juventude de Jake e as novas regras que esse mercado impôs.

Amparado pelo roteiro da dupla Allan Loeb e Stephen Schiff que, apesar de alguns falhas em determinadas defesas de opiniões e no fraco desfecho, não compromete o desenrolar da trama, Stone nos apresenta um cenário de embates extremamente ácidos como há bastante tempo não via no cinema americano, desde a filha raivosa Winnie (Carrey Mulligan) que simplesmente deletou o pai de sua vida, culpando-o pela morte do irmâo, vítima das drogas, até o mentor de Jake, Louis Zabel (pequena, mas intensa participação do ótimo ator Frank Lagella) que percebe o fim da carreira de uma forma desonrosa, engolido por homens inescrupulosos que desaprenderam rapidamente - questão de sobrevivência - conceitos como ética e justiça, Wall Street 2 passeia por um vendaval de discursos amorais e cínicos, apontando suas armas, que inicialmente parecem invisíveis, mas no fundo foram criadas com a clara intenção de ocultar as suas reais intenções.

O filme é, em poucas palavras, ardiloso, cheio de malícia ambígua, uma plena sensação de se estar andando em gelo fino a todo instante. Nada é dito às claras e verdade e mentira são como soldados que mudam de lado durante a guerra, conforme seus exércitos vão perdendo a força. Ao final da sessão, um senhor de idade levanta-se, voz da experiência, vira-se para mim e diz: "parece um jogo de pôquer que durou duas horas, consumiu todo o dinheiro das apostas, e não se tem a certeza de quem realmente ganhou". Achei a melhor definição sobre o filme até o presente momento. O que o polêmico diretor nos entrega é exatamente isso: um jogo em que descobrir quem é o vencedor ao final do confronto é tão complicado e enigmático quanto o próprio jogo em si. 

Veja o trailer do filme:
 

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Literatura: "Canções do Rio", de Marcelo Moutinho



Como pode existir gente que não reconhece a música popular brasileira como uma das criações mais geniais da humanidade? Poucos são os países do mundo que conseguem ter uma diversidade musical tão vasta quanta a nossa. E isso é fruto não só de regionalismos, mas também de povos estrangeiros que aqui chegaram e contribuíram  - e muito, diga-se de passagem - para que nossos compositores estejam sempre na crista da onda quando o assunto é ritmo e melodia. Muito bem! Alguns dirão: "mas Pseudo-Autor, a nossa música anda tão mascarada, tão pobre, tão cheia de gente que não diz nada" e eu confesso logo de cara que isso é verdade. Há poucos talentos novos num universo onde gíria e marra tomou o lugar de talento e mérito, mas existem também colecionadores de boa música, revivalistas, os downloads (e aqui rendo graças aos célebres criadores do download, pais da liberdade de expressão contemporânea) e a facilidade de se ter acesso à música em qualquer lugar, sem precisarmos nos prender a rádios comerciais com seus jabás desonestos e que só corromperam e afastaram grandes nomes de nossa música das paradas de sucesso.

O grande êxito de ler Canções do Rio, livro de ensaios musicais organizado pelo escritor Marcelo Moutinho, é a possibilidade que ele nos oferece (digo nós, amantes da boa e verdadeira música nacional) de manter novo contato, reaproximarmo-nos ou finalmente conhecermos - dependendo da geração a que se pertença -a nata de nosso cancioneiro popular. Trazendo textos de intelectuais de renome como João Máximo, Sérgio Cabral, Nei Lopes, Ruy Castro, Hugo Sukman e Sílvio Essinger, a obra literária traz um vasto panorama de nossa arte musical pintada com cores alegres e muito bem definidas nas palavras apaixonadas e de credibilidade de gente que vive no meio e sabe o valor histórico que esse material possuiu para a formação da sociedade como um todo. Afinal de contas, o que seria de nós como povo não fossem as canções que embalaram nossas vidas?

Num passeio que começa pela era de ouro da nossa música, enfocando a importância do rádio não só como formador de opinião, mas principalmente como confidente e responsável por muitas das paixões da época (e até hoje), acompanha o embalo das marchinhas carnavalescas, com seus bordões inesquecíveis e suas histórias de vida lúdicas, marcadas por muito humor e irreverência, sacolejando as comunidades mais carentes no ritmo das rodas de samba e de lendas como Cartola, Zé Kéti e pilares como a Estação Primeira de Mangueira, mostrando as conversas de barzinho e encontros de apartamento que geraram o movimento da Bossa Nova, reunindo gigantes como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Baden Powell e João Gilberto (isso só para ficar nos maiores) até a chegada das canções modernas, antenadas com novas tecnologias e os guetos e periferias que apresentaram vertentes como o funk, o rap e o hip-hop, Moutinho só podia mesmo ter o trabalho de juntar num volume único toda essa experiência e excelência artística.

Agradabilíssimo, inventivo, saudosista, emblemático, apaixonante: assim é a proposta de Canções do Rio, um modelo literário que certamente deve ser seguido com mais frequência por outras editoras, seja para apresentar às novas gerações um pouco de nossa história musical, seja para ficar como registro antropológico e etimologico de uma era que nunca morrerá, mesmo que algumas pessoas ligadas ao meio façam de tudo para desmistificar o poder dessa indústria junto à opinião pública.