segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Música: "50", de Marvin Gaye



Não sei se já disse isso aqui no blog, mas sou um eterno admirador da black music e do soul e isso tem um motivo muito óbvio: a Motown. Como falar em poucos segundos de uma gravadora que é sinônimo de uma geração de talentos os mais variados? Só pra se ter uma ideia não teríamos hoje a menor noção de quem é Michael Jackson, Barry White, James Brown, The Supremes (e, principalmente, a figura lendária de Diana Ross), Dione Warwick, Stevie Wonder, entre tantos outros símbolos, não fosse o selo. E provavelmente eu teria parado de ouvir música em algum momento dos meus 18, 19 anos (não é exagero, não, meus caros leitores! É fato). Muito do que eu procuro atualmente em artistas como Joss Stone, Amy Winehouse, Jonny Lang e John Mayer, só pra iniciar uma lista que duraria bem mais do que esse post e o número de caracteres que eu tenho disponível para digitar acabaria, toda aquela bossa, aquele ritmo, é motivado - e muito! - pela minha época de  adolescente ouvindo junto com meus primos aqueles LPs (vou ter de explicar o que é isso ou os visitantes desse espaço sabe a que me refiro? É... Faz um bom tempo) da galera black com seus vozeirões e cabelos caprichados. [Faço aqui uma pausa para um momento nostálgico]

Dentre esses titãs da boa música um que chamou minha atenção em especial foi o cantor Marvin Gaye. Por sua elegência e melodia poderosas que arrebataram para sempre minha devoção com Sexual Healing, que ouvi pela primeira vez num trailer de cinema de uma produção B hollywoodiana cujo nome me foge à memória nesse exato momento. Daí em diante o estrago já estava feito e eu comecei a perambular pelas lojas de discos e (com mais frequência) chafurdar entre as prateleiras dos sebos, verdadeiros santuários criados em homenagem a essas criaturas esquisitas e ambíguas chamadas vulgarmente de fãs. Logo estava adquirindo a preços mais do que justos - em alguns casos verdadeiras bagatelas - peças raras como o antológico What's Going On (1971), um divisor de águas na carreira do artista na opinião de 9 entre 10 fãs.

Imagine então o meu frenesi quando soube ano passado que a empresa responsável pelo espólio da Motown relançaria em edições incrementadas o repertório desses gigantes e, mais especificamente, entregaria ao mercado um Box com uma coletãnea tripla de Marvin em comemoração aos seus 70 anos de carreira e quando celebravam-se os 25 anos da morte do cantor. Reiniciei minha poupança cultural (é como chamo minha reserva de capital para compras bastante cobiçadas de produtos culturais de primeira grandeza). Com os CDS à mão, mais do que adoração a certeza de um investimento lucrativo. 50 é uma peça ímpar para os colecionadores mais exigentes de música de qualidade e que não querem acompanhar seus ídolos por versões comerciais do rádio adulteradas pelo excesso de remixagens.

Além da já citada What's Going On, vale a pena destacar hits como Let's Get it On, I Heard it Through the Grapevine (um dos singles mais vendidos de toda a história da gravadora), Mercy Mercy Me, You are Everything (em dueto com Diana Ross), I'll Never Stop Loving You e Ain't no Mountain High Enough (ambas lado a lado com a sua parceira mais frequente, a cantora Kim Weston, tendo a segunda virado hit parade na voz poderosa de Tina Turner). E para não consagrar a coletãnea como obra-prima Hors Concurs, um pequeno deslize: a ausência (sentida, é fato!) de Sexual Healing - citada acima - no repertório dos 3 CDs, que foi gravada pelo artista após sua saída da gravadora. Contudo, se levarmos em consideração a qualidade da seleção proposta pelo Box, é um mísero revés diante da magia musical oferecida pelo produto.

Momento reflexivo: é com tristeza que olho para os novos grandes nomes da música americana atual, repleta de ídolos teens e emos vazios e fraudes exóticas que são alimentadas a um nível estarrecedor pela indústria maciça do entretenimento (como é o caso desse produto clonado, que nada tem de original, chamado Lady Gaga). Triste porque para quem, como eu, soube idolatrar Talentos como Marvin e os demais citados no primeiro parágrafo, que sabiam como poucos dar valor às suas carreiras e ao público - sem contar o capricho com que preparavam seus álbuns e o apreço com que tratavam suas gargantas - olhar para o que está em voga atualmente é quase, em alguns momentos, admitir a hecatombe final do mercado fonográfico. Ainda bem que, para os fãs mais ardorosos e exigentes (legião da qual faço parte), ainda existem produtores dispostos a fornecer reedições importantes como essa que permancerá em minha coleção particular por longas eras.       

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Memória: Rock in Rio



"Foi o primeiro registro real de que existia realmente democracia no país", disse um vizinho meu, na época, no dia seguinte a abertura da primeira edição do Festival (eu morava em Olaria, zona da leopoldina, nessa tempo, e tinha apenas nove anos quando tudo começou). Passadas as Diretas Já o povo desejava, carecia, de um espaço que pudesse chamar de só seu. E esse lugar foi a Cidade do Rock. 11 de janeiro de 1985 foi a data de largada. Um sonho articulado pelo publicitário Roberto Medina que, ao contrário de muitos empresários, acreditava no potencial brasileiro para realizar grandes eventos. Até mesmo o governador em exercício na época, Leonel Brizola, desdenhou do projeto (tanto que mandou demolir - num ato supremo de barbárie - toda a construção ao final do festa). Porém, nem mesmo seu ato ditatorial conseguiu destruir a mística criada pelo Rock in Rio nesses 25 anos de pura euforia (às portas de uma nova edição a ser realizada em setembro do ano que vem). um mega evento internacional que conquistou até mesmo portugueses e espanhóis.

Um espetáculo que envolveu personagens antológicos (Guns n' Roses, Santana e Djavan cantando lado a lado em Oceano, Nina Hagen, AC/DC, Gilberto Gil, Baby Consuelo grávida, Nsync, Lisa Stansfield, George Michael de corte de cabelo novo, feito no país, Joe Cocker, Oasis, Titãs, Joss Stone, Shakira, Paul McCartney, Billy Idol...), cenas imortalizadas pelo tempo, proferidas por vozes inesquecíveis (Freddie Mercury, líder da banda Queen, com sua garganta poderosa, entoando - como quem canta um hino - Love of my life; James Taylor, acompanhado pelo coro de milhares de vozes tupiniquins e estrangeiras ao som de You got a friend), irreverência (Cássia Eller mostrando os seios; Flea, guitarrista do Red Hot Chilli Peppers, tocando completamente nu), fúria (como deixar de fora os alucinados e mais do que fiéis fãs do grupo Iron Maiden, por si só merecedores de um capítulo à parte nessa história, pelo fato da banda em si já ter se tornado sinônimo de Rock in Rio?) e muita badalação.

Contudo, nem só de democracia viveu o festival. Não esqueçamos de Lobão sendo achincalhado pela plateia na segunda edição  por culpa dos próprios organizadores que o puseram no mesmo dia das bandas de Heavy Metal. Erro imperdoável que seria repetido na edição seguinte, dez anos depois, com o cantor de axé Carlinhos Brown, agredido com garrafas de plástico durante sua apresentação. Aliás, a última edição (de 2001) teve boicote das bandas nacionais (dentre elas, Skank, Raimundos, Jota Quest, e outras) que cancelaram sua participação pouco mais de um mês antes do evento e, claro (como não mencionar esse fato?) as vergonhosas participações de Aaron Carter, que dublou suas músicas no palco em frente a um público incrédulo por tamanha coragem do astro mirim, e a diva pop Britney Spears, cuja polêmica envolvendo um possível playback é assunto entre os fãs mais exaltados até hoje. E para finalizar em grande estilo - antes que digam que esses contratempos só acontecem por aqui! - termino com a musa tresloucada Amy Winehouse, afônica, e mal se aguentando de pé no palco, durante a edição lisboense, também foi uma dessas (trágicas) cenas inesquecíveis que ajudam a alimentar ainda mais o histórico de surrealidade desse espetáculo musical.

Inconsequências e estrelismos à parte, Rock in Rio sempre foi um lugar perfeito para exemplificar a expressão "tudo pode acontecer". Uma pena que a festa não aconteça com mais frequência! (algo que os organizadores, em parceria com a Prefeitura, estão tentando mudar). Seja na Cidade do Rock, em Jacarepaguá, seja no Maracanã (que foi palco da segunda edição, em 1991), em solo brasileiro, português, espanhol, cantado, dublado, gritado, com coro, nudez ou empáfia, é a maior festa musical do pais, comparado ao maiores eventos da terra, como Woodstock, Glastonboury, os festivais de Montreaux e Isle of Wight. Isso ninguém pode negar. Em nenhum outro ponto do território nacional você encontrará tantas tribos distintas, tantos povos reunidos, cantando em uma só voz (mesmo que à primeria vista pareça impossível), pois é mais do que certo que ao redor, no mesmo espaço quadrado, você esbarre com um uruguaio, um argetino, um russo, um baiano, um gaúcho, um mineiro, um tcheco e um guatemalteco num curto espaço de tempo. Quer festa mais globalizada do que essa?

 


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Teatro: Asdrúbal trouxe o trombone



Brasil (1974-1985): A ditadura militar entrava em crise - muito motivada pela retomada da inflação que começava a pesar no bolso da sociedade -, o que aumentou ainda mais os burburinhos de uma abertura política (que, ao longo do percurso, levaria a anistia dos exilados que moravam no exterior). Em contrapartida, o nascimento do movimento ecológico no país fez com que os cidadãos tivessem uma outra postura diante da vida como se apresentava. Em meio a esse clima de desgaste e busca de esperança, uma grupo de jovens - Luís Fernando Guimarães, Evandro Mesquita, Hamilton Vaz Pereira, Perfeito Fortuna, Patrícia Travassos e Regina Casé -, sedentos de vontade de contar a visão dos fatos de uma geração onde o assunto de barzinho era falta de grana, farras, mulheres e sexo, decidem revitalizar a arte teatral como então se apresentava. Nascia ali, muito descompromissadamente o Asdrúbal trouxe o trombone. E o clima de happy hour do grupo surgia até na origem do nome: um código existente entre a atriz Regina Casé e seu pai que sempre que percebiam nas festas a presença de algum chato perguntavam um para o outro: "O Asdrúbal trouxe o trombone?".

Influenciados - e muito! - pelo grupo de humor britânico Monty Python e trazendo como prerrogativa de trabalho a ideia da descontrução narrativa, baseada em interpretações despojadas e uma criação coletiva, a trupe abusou do conceito de irreverência em seus espetáculos. Mais do que montar um texto o que aqueles rapazes e moças queriam era dividir suas experiências de vida com o público, o jeito malandro de falar, a "grilada" da juventude zona sul, retrato do sol na cara e do despojamento, fazendo de cada espetáculo uma ilusão teatral construída a partir de improvisações e jogos coletivos (aliás, essa marca registrada rende frutos até hoje na televisão e no teatro brasileiro - principalmente no stand-up comedy - em programas e apresentações como Quinta Categoria, É tudo improviso, Z.E: Zenas Emprovisadas, Os deznecessários, entre outros). Em suma, a máxima ditada por seus integrantes é a da valorização da afetividade, dos aspectos físicos e criativos de seus integrantes, deixando a técnica e o rigor do profissionalismo exacerbado presente nas montagens de outras companhias em segundo plano.

Das montagens de textos clássicos na primeira fase (com destaque para O Inspetor Geral, de Nikolai Gógol em 1974, e Ubu Rei, de Alfred Jarry, no ano seguinte) para um segundo período onde as criações próprias deram a tônica no palco (e, nesse caso, como deixar de exaltar Trate-me Leão/1977, Aquela coisa toda/1980 e A farra da terra/1983?), o que se percebe escancaradamente é o uso da linguagem circense, das maquiagens, do humor descarado e, sem sombra de dúvidas, da presença do lúdico em contato com a plateia.

Com o fim da companhia em 1985 - um período onde as Diretas Já fez com que a tão sonhada redemocratização passasse do campo das ilusões para a prática e o temor se transformasse num fantasma acorrentado no armário -, veio o desdobramento de seu sucesso em programas televisivos (como TV Pirata, Programa Legal), na música (o grupo de rock Blitz) e lugares inesquecíveis (como o sempre eterno Circo Voador, responsável por toda a revolução provocada pelo Rock nacional na década de 80 a partir de personagens como Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Lulu Santos, Plebe Rude e tantos outros). Agora, esse humilde autor, olha para o vazio deixado por esses gigantes da interpretação e sente até raiva de saber que aquele tempo que você gostaria que nunca tivesse terminado hoje não passa de memórias preservadas com muita luta, para não deixar o verdadeiro espírito da arte morrer. E talvez por isso esse texto não deva simplesmente ter um final, pois certas coisas (ou lembranças) nunca devem terminar.

Nota de rodapé: Recomendo àqueles que não conheceram o antológico grupo e também para os que, como eu, não pretendem deixar essa geração morrer jamais, a leitura do livro de Heloísa Buarque de Hollanda (cuja imagem disponibilizo acima). Fundamental para a formação de qualquer ser humano!


   

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Cinema: "À prova de morte", de Quentin Tarantino.



Um filme-homenagem aos cinemas de segundo escalão que forneciam como único entretenimento produções baratas, arranhadas, com atuações viscerais, ruídos em excessos, falhas na trilha sonora e na coloração da tela. Um diretor cuja mente tresloucada e seu lado pesquisador fanático por temáticas as mais inusitadas é capaz de qualquer coisa. Um projeto autoral (Autoral? Em plena era de crise dos estúdios hollywoodianos onde a expressão risco zero - ou o que quer que isso signifique - vira clichê barato na língua de produtores, diretores e outros chefões das principais companhias?): assim é Grindhouse, um projeto a quatro mãos realizado pela dupla Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, a quem poucos realmente assistirão juntos no mesmo rolo, seja por incompetência da empresa distribuidora, seja por preconceito. Passados dois anos de sua realização, À prova de morte dá as caras mostra a face cínica de seu realizador, um profissional que nunca escondeu ao longo da carreira o apetite pelo diferente e o chocante.

A grande marca pessoal de Tarantino está lá: a capacidade de transformar seus protagonistas em alter-egos de sua própria - e irracional, que fique bem claro! - psique. E no caso de Stuntman Mike (Kurt Russell), o dublê fracassado que sai às ruas, furioso (mas sem perder o sorriso sedutor e aberto), atrás de suas vítimas inocentes, isso ainda fica mais evidente. Provavelmente é sua criação mais autobiográfica, mostrando abertamente reflexos de suas influências construídas ao longo da carreira, como os debochados e subversivos Enzo Castellari e Russ Meyer, pais de uma - podemos assim chamar - sétima arte provocadora, insultante.
 
Como pano de fundo a toda essa agressividade visual, e eis o mais interessante de toda essa viagem tarantiniana, o cineasta constrói uma exuberante enciclopédia das taras do mundo americano, onde todas as obsessões (o fascínio erótico pelas cheerleaders, eternas e rebolativas líderes de torcida, a lap dance, versão minimalista dos shows de striptease que alucinam os becos mais inóspitos das principais cidades americanas, a sensual apresentadora do programa de rádio a quem todos querem saber se o corpo, a silhueta, é tão sensacional quanto a voz que ouvem diariamente. E que não venham os leitores desse blog me dizer que nunca se pegaram pensando sobre a dona de certa voz sensual de alguma rádio carioca! "Como será ela ao vivo e a cores?", numa hora dessas é uma pergunta mais do que óbvia), desejos de consumo (a bolsa da Prada, o carro dos sonhos) e fanatismos fazem parte da ordem do dia para servir de "inspiração" à saga contumaz desse road killer.

À prova de morte é amoral, sim, e em nenhum momento nega isso. E Tarantino não alivia o espectador em momento algum quando o assunto é exacerbar a sua (ou do personagem, como preferir interpretar!) carnificina rodoviária. Se há espaço para cinema como esse em tempos de globalização e de investimentos no óbvio? Não faço a menor ideia. O que sei de fato, passadas as quase duas horas de projeção, é que se trata de um filme mais do que necessário para entendermos o ser humano da contemporaneidade. Disso não há a menor dúvida. Se por um lado você pensa "Putz! Esse filme é nojento", por outro fica clara a noção de que o homem realmente passou dos limites em algumas decisões. E não há nada de cafajeste em deixar claro isso para o público.


     

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Animação: "Hanna-Barbera".



Entro na faculdade e vejo dois garotos lendo mangás (nunca entendi direito esse universo, essa coisa de ler de trás pra frente. Para mim, sempre soou absurdo essa leitura ao contrário. Eles conversam sobre samurais, gueixas, cowboys bebops e outros personagens dos quais nunca ouvi falar em toda a minha vida. E relembro com saudade dos meus tempos de criança! Ah que saudade de Zé Colméia, Tutubarão, Corrida Maluca, Flintstones, Jetsons, Johnny Quest, Lippi e Hardy (lembram daquela zebra: "ó vida, ó azar!") e tantas outras criações da dupla William Hanna e Joseph Barbera, verdadeiros magos da animação. E principalmente: saudades de um tempo em que tudo era mais simples, sem tanta complicação e exigência.

Nos meus tempos de moleque o maior barato, em termos de desenhos animados na televisão, era assistir aos programas do Bozo e do Fofão (e com uma vantagem: eles passavam em horários diferentes, então dependendo do horário que você estudasse, dava pra conferir ambos). E era uma festa! As crianças elétricas na frente da TV aguardando as peripécias desses personagens que, salvo as animações da Disney como Pluto, Pato Donald, Pateta e companhia ltda, dominavam as atenções de toda a galera.

Não eram megaproduções caprichadas como os desenhos que Pixar realiza hoje em dia, cheios de pós-produções caríssimas e efeitos em 3D os mais variados. Pelo contrário: havia algo de simplório - "humilde", poderia até chamar se levássemos em consideração os recursos da época - sem, no entanto, perder a humanidade que captava (melhor: hipnotizava) as plateias. Esse foi o maior legado deixado por Hanna-Barbera para as futuras gerações: humanidade.

Quando inciou-se aqui no país o culto às animações japonesas, com Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball Z e outros exemplares que - considerações minhas - mais parecem verdadeiros campos de batalha travestidos de desenho, lembro-me de ter ficado estarrecido e pensado se toda aquela destruição e aquele clima de fim de mundo que pairava sobre essas produções não seria um pouco demais para a cabeça de crianças de pouco mais de oito anos. Tudo parecia, pelo menos à primeira vista, mórbido demais para aquelas pequenas criaturinhas.


Hoje, imerso na cultura de que tudo o que é bom dá lucro, é fácil e feito às pressas, vejo que esses criadores da terra do sol nascente estão na frente de todos os adversários. E a minha turma ficou carente de coisas simples, sem tantos arroubos tecnológicos. Nosso único alívio são portais como o you tube e os nossos camaradas pirateiros que, tão galantemente, não nos deixam esmorecer e oferecem essas animações dos áureos tempos com uma facilidade espantosa.


Que bom que esses nostálgicos - assim como os eternos Hanna-Barbera - ainda existem!


 

sábado, 14 de agosto de 2010

Musas: Marion Cotillard




Em cinema existem fãs para todos os gostos: cineclubistas fanáticos correndo atrás de produções independentes dos locais mais distantes do mundo onde se produza sétima arte de qualidade (Irã, Malásia, Nigéria, Índia), adoradores de westerns, pessoas como minha prima viciadas em comédias do tipo Monty Python e Mel Brooks, os que gostariam que o mundo fosse uma grande ficção-científica (acho que eu me encaixo bem nessa categoria) e tantos outros. Porém, há uma classe distinta que, independente do gênero que assista, presta atenção num detalhe importantíssimo: as musas. E é exatamente esse o objetivo dessa nova coluna: enaltecê-las. E não poderia começar esse novo espaço por outra atriz que não fosse Marion Cotillard.


Minha primeira experiência com um filme em que atuou não apresentava nenhum atrativo estético, pois toda a sua beleza estava debaixo de uma expressiva maquiagem, usada para compor a silhueta da eterna diva da música francesa em Edith Piaf: um hino ao amor, de Olivier Dahan (filme esse, aliás, que apresentou a atriz para o mundo, além de consagrá-la com o Bafta, o César, o Globo de Ouro e o Oscar de melhor atriz). Bastou uma interpretação e o estrago estava feito! Pois eu sou assim: quando viro fã é de uma vez só, não tem esse papo de dois pesos e duas medidas.


Passada a encarnação quase mediúnica da eterna diva francesa, vieram seus trabalhos com Ridley Scott (em par romântico com Russell Crowe em Um bom ano. Dificilmente esquecerei pelo resto da minha vida a cena em que ela aparece de cinta-liga!), Abel Ferrara (no polêmico Maria, em que contracena ao lado de feras como Juliette Binoche e Forrest Whitaker), Michael Mann (divindo tela num amor bandido com Johnny Depp em Inimigos Públicos e todo o glamour oferecido pelos anos 30), Rob Marshall (certamente o grande destaque ao fazer a esposa do protagonista Daniel Day-Lewis em Nine, uma produção cujo único mérito até o presente momento foi ter sido líder de críticas negativas) e, mais recentemente, com Christopher Nolan (como pseudo-esposa, podemos assim chamar, do agente Leonardo Dicaprio em A Origem). Entre seus projetos pendentes contam futuras participações nos novos longas de Steven Soderbergh (Centurion) e David Cronenberg (Cosmopolis), entre outras produções.


Filha do dramaturgo Jean-Claude Cotillard e de uma professora de artes dramáticas, Marion divide sua vida entre o cinema e as causas ecológicas (é porta-voz do Greenpeace). Avessa a esse mundo célebre onde o mais importante são as páginas de revistas e as entrevistas de cunho sensacionalista, Já deixou bem claro que o momento mais difícil em cena para ela são as cenas de nudez. O que em nada diminui sua elegância e seu charme. Muito pelo contrário!


Existe algo em Cotillard que me lembra a Capitu (personagem antológica do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis) dos meus tempos de ensino fundamental quando leitura era silenciosa, obrigatória e, na maioria das vezes, enfadonha. O diferencial da saga de Bentinho era justamente aquela mulher dissimulada com olhos de ressaca, de "cigana oblíqua", como bem definia o autor. Pois Bem: Marion tem isso em sua essência e é exatamente por isso que fiquei tão encantado com ela. Diferentemente de muitas das atrizes siliconadas e cheias de botox que infestaram a indústria cinematográfica contemporânea nos últimos anos, essa petit française precisa de muito pouco para encantar os marmanjos mais apaixonados. E esse é seu maior e inegável mérito.


quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Exposição: "Zeróis: Ziraldo na tela grande".



Quadrinhos são uma eterna paixão que administro desde a mais tenra infância. Tanto isso é verdade que uma das primeiras decisões que tomei ao montar esse blog é que uma das temáticas culturais que iriam ser abordadas era a nona arte, por seus artistas extraordinários, seus traços impecáveis e, claro, por minha total incapacidade de produzir algo do mesmo nível estético. Dentre esse universo gráfico majestoso, uma peculiaridade sempre percorreu minha relação com os comics (mais especificamente o gênero super-heróis): nunca admirei com grande prazer os heróis com superpoderes. Para mim, heróis de fato eram personagens como Batman, Demolidor, Justiceiro, Jonah Hex, ou seja, figuras que transformavam um revés da própria vida em força e motivação para combater o crime. E foi exatamente isso que me deixou extasiado ao final da minha visita à exposição Zeróis - Ziraldo na tela grande no Centro Cultural Banco do Brasil: a capacidade de heróis serem humanos.


Grande entusiasta do gênero, o cartunista esbanja glamour nesse coleção de 44 telas em acrílico onde mostra uma visão intimista sobre o universo do super-herói mesclado a referências artísticas, pop, históricas, fotográficas. baseadas numa antiga revista que publicou, com sucesso, na década de 80. Passeando inspiradoramente de Andy Wahrol a Delacroix, de Picasso a Roy Lichtenstein (que subverteu os quadrinhos à categoria de arte), de Goya a Grant Wood, o artista mostra sua sátira, sua verve, seu talento incontestável, seus traços inusitados a serviço de uma recriação mais do que necessária para que o público leitor desse universo entenda que esse mundo não é somente bravura, idolatria e força.


Nunca me esqueço de minha primeira leitura de uma obra de Ziraldo. O eterno menino maluquinho (certamente o melhor personagem para definir a própria personalidade do autor: um trangressor que nunca deixou de ser criança ao longo de toda a carreira bem sucedida). Foi lúdico, inebriante, inocente, mas sem perder a malícia (mesmo que, à primeira vista, isso pareça totalmente impossível!). Em Zeróis - passados quinze anos depois dessa leitura - tive mais uma prova desse sentimento com alegria. Ciente de estar diante de um talento inegável e, por que não afirmar? inigualável.


Para os amantes das histórias em quadrinhos em geral e para aqueles que acreditam que a criança dentro de nós nunca deve morrer, esse é um evento obrigatório.




sábado, 7 de agosto de 2010

Literatura: "Fora de Órbita", de Woody Allen




"Woody Allen é um intelectual estranho", foi a primeira impressão que tive após assistir pela primeira vez um longametragem de sua autoria (tratava-se de uma velha fita VHS do filme A Rosa Púrpura do Cairo, produção com a qual logo me identifiquei por conta do fanatismo da personagem de Mia Farrow com a arte cinematográfica e, principalmente, com as salas de exibição). No entanto, nunca entendi o "estranho" nesse caso como algo ruim. Apenas como diferente. Tempos depois, passeando por sebos no centro da cidade - um de meus passeios de fim-de-semana favoritos -, deparei-me com dois de seus livros de narrativas curtas: Sem Plumas e Cuca Fundida. Arrematei-os rapidamente, pois sabia que outros cinéfilos visitavam aquele espaço, uma pequena loja na Rua da Carioca, e jamais me perdoaria se perdesse aquele achado promocional único. Veio então a adoração definitiva ao cineasta-produtor-escritor-ator.


Em Fora de Órbita, seu último livro lançado no país (uma reunião de textos lançados na imprensa norte-americana nos últimos anos), Allen está mais afiado e irônico do que nunca. E minha admiração pelo criador de Zelig, A Era do Rádio e Annie Hall só fez aumentar mais e mais depois de lê-lo. Ler Woody Allen é estar preparado para ser surpreendido a qualquer momento e pelas situações mais bizarras, constrangedoras e fora do comum (como bem sugere o título, aliás). Ele é capaz de pegar as pessoas e situações mais inverossímeis quando o assunto é retratá-las de maneira bem humorada é transformá-las em verdadeiras ribaltas circenses, cheias de gags e um timing cômico perfeito.


Não existe preocupação em seus textos (pelo menos à primeira vista) com valores literários irretocáveis e sim com o desfecho das tramas que cria, por mais absurdas que pareçam. Allen praticamente inventou aquilo que os críticos convencionaram chamar de "humor do resmungo", arrancando gargalhadas a partir de narrativas bem simples, quase ingênuas, onde o protagonista sempre é um indivíduo inusitado, ranzinza, reclamão. Seu grande mérito são as tiradas geniais, curtas em suas grandes maiorias (seus livros são praticamente stand-up comedies de papel, precisos, diretos, gloriosos). Basta um pensamento, uma frase solta, um diálogo rápido, desses que nós temos na rua, de passagem, quando cruzamos com alguém na rua que não vemos a décadas, e pronto! Está feito o cenário para Woody esbanjar seu talento.


Se você detesta a mesmice e procura há tempos por algo novo, diferente, esse é o livro. Se está em busca de um desafio proposto pelo autor, que irá lhe infringir as maiores charadas, exigindo de sua parte envolvimento total, esse também é o livro. Não se trata de humor barato. Muito pelo contrário. É, isso sim, um veículo agradabilíssimo que mostra mais uma vez (como se ele precisasse!) o talento de um dos maiores realizadores de cinema - e por que não dizer? de cultura - dos últimos tempos.




quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Quadrinhos: "Vida Louca", de Jaime Martín




"Por que adolescência precisa, para algumas pessoas, ser sinônimo de desajuste?": essa pergunta encontra-se assim, entre aspas, pois foi motivadora de um debate dentro da minha faculdade (no dia em que fui renovar a minha matrícula) que poderia ter sido esclarecido rapidamente, mas acabou durando bem umas duas horas. E desde já adianto que não tenho uma resposta definitiva para essa questão. Até porque sempre achei que minha adolescência foi meia-boca em excesso. ficou faltando algo pelo meio do caminho que eu não sei exatamente explicar o que é. Entretanto, todo aquele blá-blá-blá estudantil - sabem como é estudante universitário quando se engaja numa discussão! - fez eu me lembrar de uma graphic novel inteligentíssima e muito bem cuidada que li no mês passado.


Vida Louca, do quadrinista Jaime Martín, é um soco no estômago mais que necessário se o tema for entender esse tipo de questionamento proposto acima. Tendo como pano de fundo a periferia de uma Espanha recém-democratizada na década de 80, mais especificamente o bairro de L'Hospitalet de Llobregat, em meio a uma crise econômica que faz com que o lugar não deva nada a muitos países deficitários do terceiro mundo, o autor conta a história de Vicen, um jovem que se depara com aquele universo sem muitas esperanças de crescimento.


A vida que se apresenta para Vicen não é nada agradável: a mãe envolvida com um homem um tanto suspeito e que logo de cara vira alvo de sua dúvida, a escola dominada por gangues juvenis que impõem a lei do mais forte a qualquer custo (e onde um rapaz sem muitos valores aprende facilmente o significado da palavra banditismo), o rock n' roll underground inundando as rádios como se fosse uma metralhadora ideológica...Em meio a tudo isso, a criminalidade muita vezes soa como o único caminho, a única busca para a sobrevivência. E é essa rota que Vicen escolhe.


O grande mérito do autor está na maneira como ele trata a dicotomia deliquência X criminalidade (que, para muitos, pode parecer a mesma coisa, mas isso não necessariamente é verdadeiro). "Sempre há uma barreira, entre tantas outras, que parece mais difícil de ser ultrapassada", parece dizer Martín, "e muitas vezes escolhas difíceis sempre acarretam em tragédias pessoais". O grande problema é quando a volta por cima não se apresenta e temos de simplesmente lidar com o fato de que perderemos algo e não haverá substituto para aquela perda. O que resta, no caso, é seguir em frente.


Um retrato forte, niilista e, por vezes, melancólico de uma geração que fez por onde ser rotulada de perdida (a bem dizer eles mesmos procuraram por isso). Contudo, uma história que precisa ser contada para que, pelo menos, as futuras gerações caiam em si e não cometam o mesmo erro.


domingo, 1 de agosto de 2010

Música: "The Miseducation of Lauryn Hill"




Eu não sou especialista, muito menos um fã ardoroso do Hip-Hop. E confesso: isso se dá muito mais por imcompreensão a respeito do que seja esse estilo musical - nunca entendi direito o que eles querem dizer com todos aqueles yeah, yeah, yeahs e aquelas piruetas e street dances todas - do que qualquer outra desculpa esfarrapada que eu possa dar aqui nesse texto. Portanto, para muitos amigos meus esse post será uma grata e irônica surpresa. É bem verdade também que eu sou um indivíduo muito chato quando o assunto é música. Não vou chamar de artista gente que berra ou gosta de fazer solos exaltados ou dar falsetes na voz. Comigo, não, Serapião! Mas essa menina da capa acima precisou de muito pouco para chamar a minha atenção. E, definitivamente, é um dos melhores exemplares do que seja música com o qual me deparei nos últimos anos.


Ouvi Lauryn Hill a primeira vez cantando no coral de estudantes do colégio de freiras do filme Mudança de Hábito (sabe aquela comédia em que a Whoppi Goldberg faz uma cantora de cabaré que para fugir de assassinos que querem matá-la após ter testemunhado um crime se esconde dentro de uma igreja e muda o dia-a-dia dos corais da instituição, misturando os cantos góticos com toda a força do soul? Então...). Lauryn Hill estava lá, junto aos outros alunos, pequenina, frágil, alguém que certamente jamais chamaria a atenção. O tipo de pessoa que fica escondida no canto e que, quando faz algo digno de nota, é cometer um crime ou envolver-se num escândalo político, sexual etc. Até que ela exibiu sua voz majestosa. E eu entrei em catarse.


Em The Miseducation of Lauryn Hill, posso dizer com todas as garantias que a cantora apresenta ao público seu guia básico (poderia chamá-lo também de Making of do Hip-Hop). A artista esbanja bossa, sensualidade e, principalmente, imprime uma marca, uma atitude - como bem pede o universo musical que ela escolheu abraçar - ímpar dentro da música norte-americana. É fácil entender como se deu o seu meteórico sucesso. Difícil é aceitar que tenha desaparecido (ou, no mínimo, se ausentado com frequência das paradas) nos últimos anos devido ao fato de ser uma pessoa indomável e imersa em polêmicas. Uma pena!


Entre os sucessos mais variados, recomendo aos interessados que prestem uma apurada atenção nas faixas Everything is everything, Doo Wop, To Zion (em que faz dueto sensacional com o guitarrista Carlos Santana) e uma versão dançante da clássica Can't take my eyes of you. Para ouvidos apurados, Hill é o supra-sumo da melodia e, claro, da intensidade que o Hip-Hop exige. Um colírio para quem está acostumado a ver apenas bad boys e arrogantes entoando seus mantras de revolta e impunidade, como se música fosse apenas um manifesto para lutar contra o sistema.