quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Teatro: "Os Clandestinos", de João Falcão.



A fama, esse monstro irracional que habita dentro de cada um de nós, pelo menos se considerarmos como ponto de referência as últimas duas décadas (Está bom esse cálculo ou é melhor aumentar um pouco mais?), de forma tão natural que já nem percebemos se pode fazer mal à nossa saúde ou não. Tornar-se famoso virou pré-requisito básico de sobrevivência numa sociedade como a nossa, em que ser o primeiro a chamar a atenção pode ter muito mais valor do que a sua formação, o diploma que você possui na parede de casa ou mesmo o seu caráter (que, por sinal, do que se trata mesmo?). Sabendo disso provavelmente muito melhor do que a maioria das pessoas o dramaturgo João Falcão cria a sua Companhia Instável de Teatro, uma das maiores provocações ao mercado artístico que eu já vi nos últimos anos, e acompanhado de jovens tão obstinados - ou loucos, e certamente você pensará primeiro nessa segunda opção - propõe o espetáculo Os Clandestinos.

Na peça, o tema central gira em torno de um grupo de jovens e desconhecidos artistas que tentam convencer um autor em processo de desenvolvimento de um trabalho de que podem fazer suas ideias acontecerem fora do papel. Porém, quem são esses anônimos para garantir tal façanha? Como encarar um mercado tão competitivo e que prega a existência de estrelas disponíveis a todo o momento como fator decisivo para terem seus espetáculos encenados e não podem perder tempo (muito menos dinheiro) com quem não tem nenhum pedigree ou experiência de palco e pode acabar sendo sabotado na sua primeira e única oportunidade de brilhar?

Seja pela cenografia muito bem bolada de Sérgio marimba, pelos figurinos de Kika Lopes ou a iluminação de Paulo Denizot, que parece complementar com brilhantismo a angústia desses novos talentos, ansiosos por uma chance, umazinha só, de poder detonar e dizer a que vieram, o espetáculo mostra - sem máscaras - a dura vida de quem quer ser famoso, não importa o que tenha de fazer ou como para atingir o seu objetivo, mesmo que para isso tenha que recorrer a artifícios nada nobres nesse mundo torpe. Não podemos esquecer que nos dias atuais na vida, no amor e na guerra e agora no mundo da fama, vale tudo. É impossível acompanhar o desenrolar da trama e nao se lembrar logo de cara do personagem Ben Silver, protagonista do lendário espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, símbolo vivo desse universo em que estrelas e divas são feitas (e desfeitas) com a mesma facilidade com que se muda de canal usando o controle remoto.

No final das contas, o que há para se vislumbrar seja na telinha da TV, nos filmes que entram em circuito nas redes de cinemas, nos centros culturais, nos espetáculos circenses, nas casas de show, são meros fantoches da fama. Criaturas como a camaleônica cantora Lady Gaga e seus trajes surreais, o bizarro astro do heavy metal Marilyn Manson com suas excentricidades à flor da pele, os astros sem expressão da Disney no dispensável High School Musical e a filha da projeto de cantora e dançarina Gretchen com sua (verdadeira ou puro jogo de marketing?) lesbiandade à toda prova, aparecendo em programas sensacionalistas que primam por trazer ás telas o melhor do pior do meio artístico. Isso sem contar aquela menina do tumulto na faculdade Uniban por causa do seu vestido nada discreto que lhe custou a expulsão dos quadros curriculares da instituição, mas que na verdade nunca teve a menor pretensão de ser uma estudante universitária e sim uma popstar, chamando a atenção no grito, pois só assim para atingir algum estrelato.

Que Deus se apiede das almas dessas pobres criaturas!

Abaixo o vídeo-documentário com a seleção dos atores para a peça (como os 5 mil inscritos se tornaram os 14 coadjuvantes desse espetáculo genial):

domingo, 26 de setembro de 2010

Música: "MTV apresenta: Casuarina"



Há tempos de deixar as pedras rolarem e tempo da maré mansa, de sentar no sofá da sala ou na cadeira de balanço da varanda e simplesmente deixar a música - normalmente em decibéis não tão exaltados - fluir calmamente. Uma boa pedida para esses momentos é o samba, algo que nossos amigos gringos não possuem e, muito por conta disso, não entendem o que leva uma pessoal normal a se sentar com o propósito de ouvir música. Por sinal, bom falar nisso, pois a cada dia que passa a sensação que me dá é de que as pessoas não sentam mais para fazer nada, que dirá ouvir música. Perdeu-se o costume do relaxamento nessa era de tudo corrido, tudo pra ontem, em que estamos inseridos. Aliás, não vá embora ainda não porque o texto tem mais parágrafos, certo?

Fiquei matutando então: "Vai ser samba... Mas o quê especificamente? Algo clássico, na linha Noel Rosa, Herivélto Martins ou alguma coisa mais malandra, nos moldes de um Paulinho da Viola ou Martinho da Vila?". Foi então que encontrei num desses milhões de sites de download que a todo o momento invadem nossas vidas de forma avassaladora o magnífico MTV apresenta: Casuarina. Que encantador! Essas foram as minhas palavras iniciais (e finais) ao ouvir os acordes. Um tipo de música que apesar do gênero andar abarrotado de artistas (ou será melhor chamá-los de quase-artistas?) tem atravessado uma fase de muitas repetições, sem muita originalidade, como - a bem dizer - tem sido a tônica da atual geração da MPB, não importa em que estilo enverede.

Porém, com o Casuarina isso não se repetiu. Num show gravado na Fundição Progresso (espaço dos mais agradáveis onde, não faz muito tempo, fui prestigiar a gravação do CD do Gabriel, O Pensador) o grupo reedita sucessos com covers de canções fundamentais para quem é fã do arrasta-pé. Um passeio que vai do Martinho da Vila moleque de Disritmia a Zé Kéti, com convidados ilustres como Moska, Roberto Silva, Wilson Moreira, Frejat (ex-vocalista da banda de rock Barão Vermelho) e a trupe baiana do Moinho.

Entre os destaques mais evidentes do álbum - é complicado até eleger os meus favoritos! -, vale a pena conferir com maior detalhe Canto do Trabalhador, o swing melódico de Certidão, a dobradinha maliciosa composta de Desfigurado e Muro de Zinco, O dia se zangou, a mistura ritmada de Chiclete com Banana (num arranjo que lembra bem o estilo alegre e despojado de músicos como Gilberto Gil e Bebeto), as rimas exatas de Baile no Elite, a intervenção - proposta pelo grupo Moinho, citado acima - à música de Dorival Caymmi, mestre eterno, em Rosa Morena, que fez até alguns parentes aqui em casa (a família é baiana) chorarem e o fechamento irretocável ao som da obra-prima de Vinícius de Moraes e Baden Powell Canto de Ossanha.

Malícia, atitude, irreverência, pegada: tudo o que pede o bom e verdadeiro samba (e não algumas "construções" que eu tenho ouvido nas rádios atualmente, com expressões chulas e de baixo calão) está presente aqui nesse formato que, é bom que se diga, graças a emissora de TV a cabo responsável pelo convite ao grupo e ao projeto em si, está se tornando uma das melhores propostas musicais da atualidade, fugindo dos padrões corriqueiros que o mercado anda oferecendo goela abaixo do público consumidor. Em poucas palavras: refinamento com simplicidade. Essa é a melhor maneira de resumir esse disco. Quer coisa melhor do que isso?

Alguns momentos-ápice do show:



   

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Animação: "Peanuts", de Charles M. Schulz



Vejo as filhas das minhas primas sentadas na sala de casa assistindo televisão, olhinhos vidrados na tela de LCD que exibe, intercaladamente, Ben 10 e Pucca (sabe como é criança quando tem controle remoto nas mãos, não é mesmo?). Enquanto os personagens pulam, gritam, cantam, entre outras façanhas, elas gesticulam uma para a outra, falam em voz alta, como se as figuras animadas pudessem respondê-las, chamam os adultos, quem sabe na vã ilusão de que eles lhes expliquem alguma coisa que elas, à primeira vista, não entenderam. Como se os adultos tivessem todas as respostas na manga! E nesse momento tenho uma síncope biográfica (eu e os meus termos loucos: estou ficando especialista neles...). Penso comigo mesmo: "Eu já fui assim, desse jeito. E os culpados eram Snoopy, Charlie Brown e sua turma". Quanto tempo!

No tempo em que o SBT era o canal trash mais assistido da televisão brasileira (eu já não disse isso num outro post? Não? Então deixa pra lá... É velhice mesmo) havia, volta e meia, horários específicos voltados para faixas etárias determinadas. Dentre esses horários, a programação infantil era farta e a criançada se refestelava no sofá para acompanhar pérolas como Pica-Pau, Tom e Jerry, Mr. Magoo, Pantera cor de rosa - que hoje até pouco tempo ainda assistia na programação da madrugada no canal a cabo Boomerang - Droopy, Corrida Maluca e outras feras. Dentre essas outras feras, o meu favorito era sempre Snoopy (Peanuts, no original), criação do cartunista Charles M. Schulz. Bastava que o narrador dos estúdios Magga (preciso me lembrar de falar desses gênios aqui em breve!) falasse "Snooopy" e a festa começava. Eu, que já não era criança pequena naquela época já ficava doido, imagine então os pequerruchos de plantão.

Schulz é, a meu ver, o maior criador de tipos infantis que eu já pude conferir em toda a minha vida de espectador de desenhos animados. Conseguiu através de retratos muito bem humorados e inocentes, contar um pouco da história das aflições da América e, por que não dizer?, do mundo. Iniciada em 1950 a revista homônima trazia em suas páginas um universo pós-Segunda Guerra Mundial sem que isso fosse escancarado nas vidas daqueles personagens (até porque se tratavam de crianças e não de soldados que voltaram combalidos do front). Tudo estava ali: implícito, medido, e as animações que surgiriam anos mais tarde replicariam essa postura de forma brilhante, mas sem perder a ternura.

Charlie Browm, o garoto frustrado, que nunca dava uma dentro, péssimo em todos os esportes, não tinha namorada, verdadeiro fracasso como criança; Lino, o amigo que melhor o entendia, quando não estava chupando o dedo abraçado ao seu amigo inseparável: o cobertor; Lucy, a mais exibida de todas as garotas, sempre querendo dar a última palavra sobre tudo, apaixonada pelo músico e interiorizado Schroeder que não abdicava de seu piano um minuto sequer do dia; Bete Pimentinha, sempre acompanhada de sua amiga Márcia (e seus "Ô meu" pra lá e pra cá), versão hippie mirim, azucrinando Charlie Brown a quem nunca chamava pelo nome, mas por minduim; o chiqueirinho, o Cascão versão EUA, a irmã histérica de Charlie, a professora a quem só se ouviam os ininterruptos blá-blá-blás em alta voz, um claro sinal de esporro aos alunos, de que alguém tinha feito algo errado; o passarinho Woodstock, responsável por muitos dos momentos antológicos do desenho, pois suas cenas eram sempre acompanhadas de músicas majestosas (em sua grande maioria, óperas de renome); e, finalmente, Snoopy, o dono da festa de fato.

Impossível falar do beagle mais engraçado de todos os tempos que não seja num parágrafo à parte. Seja como pizzaiolo versátil, vendendo limonada, dando conselhos sentimentais às meninas (principalmente Lucy) em sua barraquinha improvisada, transformando sua casa num avião de combate dos tempos do Barão Vermelho onde as mais terríveis batalhas eram travadas ou disputando queda-de-braço (novamente com Lucy, certamente a maior disputa de poder dentre todos os personagens), Snoopy era um caso fora do normal, provavelmente digno - se alguém assim o fizesse - de um estudo sério e aplicado feito pelomais respeitável dos intelectuais. Ele é a mola-mestra do ritmo ditado pelo seu criador à história que está sendo contada. Era praticamente inimaginável um episódio sequer que não tivesse, pelo menos, um grande bloco com ele (fora os capítulos em que o único personagem do elenco principal a constar era ele). As crianças espectadoras assim o exigiam!

Falar de Peanuts (perdão: Snoopy), portanto, é falar de uma época sem maldade - apesar de, algumas vezes, ter lido em algumas edições da versão em quadrinhos certas sátiras e paródias a assuntos bastante sérios, como separação dos pais, doença na família, morte de ente querido, entre outros debates, mas sempre enfocando na ironia -, quando as crianças brincavam sem tanta exigência e disputas por todos os lados. Ver duas crianças brincando em frente à TV como eu fazia décadas atrás, sem nenhum distúrbio ou guerra em pauta, é motivo certo para aplausos nos dias atuais. "Imagine", me pergunto eu, "essa gurizada hoje assistindo Snoopy e sua turma?". Que pena que certas coisas simplesmente tiveram que ser encerradas.

Alguns episódios clássicos:
http://www.youtube.com/watch?v=-Ep1s0f8LDA (Feliz Ano Novo, Charlie Brown)



   

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Memória: Atari



Não faz muito tempo postei aqui um comentário a respeito da guerra existente hoje em dia entre as fabricantes de videogame Sega e Nintendo. Pensar no mercado de games atualmente é muito mais do que o mero entretenimento que existia em minha época de garoto, quando a única coisa que as crianças desejavam de fato era divertir-se, sem se comprometer com nada além do prazer. Hoje, não! Tudo é competição, é a lei do "que vença o melhor" e muitas vezes esse melhor vence a qualquer custo, recorrendo aos maiores delitos e desvios de caráter, inimagináveis na cabeça de quem vê naquilo apenas um jogo. Um bom exemplo dessa fúria e desse desespero em que se transformou esse mundo sórdido dos jogos eletrônicos (e, mais especificamente, no exemplo proposto, vale salientar os tais jogos em rede, a febre atual) é o filme Gamer, da dupla Mark Neveldine e Brian Taylor, que mostrava visceralmente o quão enlouquecedor pode ser esse universo onde os únicos jogadores que realmente importam são os vencedores. A eles, toda a glória, aos demais. o limbo do esquecimento.

Ao final de sua projeção e após perceber que alguns espectadores não aguentaram a projeção até o fim e saíram proferindo palavrões em alto e bom som, senti a nostalgia de minha época bater forte no peito - lembranças saudosas do tempo em que ia pra casa de minha avó e ficava junto com meus primos, cada um com seu joystick na frente da televisão, disputando quem dava mais tiros em Galaga - e agradeci, em silêncio, por não fazer parte dessa nova geração, que confunde com muita facilidade o que é real com o que é ficção. E eis que nesse momento entra em cena o personagem principal do nosso post de hoje: o Atari.

O Atari foi uma das maiores revoluções - senão a maior - da minha geração (e quem se encontra hoje na faixa dos 30 anos sabe bem do que estou falando!). E qual era o segredo do seu sucesso? Imagens em alta definição? Não. Gráficos sensacionais onde a tela de LCD ou plasma exultava ao exibir o jogo? Tá maluco! TV era com tubo catódico nesse tempo e olhe lá. Ué... Então qual era o diferencial desse aparelho fabuloso? Simples: ele conseguia oferecer ao seu público ideias práticas, de fácil execução e ao gosto do cliente (que não possuía 10% do nível de exigência dessa garotada de hoje). O segredo não era o trabalho perfeccionista e extraordinário dos desenvolvedores dos cartuchos - CD, nesse tempo, era apenas sonho - e sim a sua funcionalidade para o jogador. Tinha que ser divertido e não essa viagem psicodélica e transcedental dos dias atuais, com trilhas sonoras feitas especialmente para o jogo e grandes astros de Hollywood dublando as vozes dos personagens. "Hoje jogar é uma experiência", ouvi não tem muito tempo um desses especialistas da contemporaneidade falando num programa de variedades no canal Multishow, e não mais um mero passatempo.

No lugar dos CDs de hoje, as fitas. Tinha a desvantagem, é bem verdade, de serem mais caros e não haver essa pirataria atroz de agora, mas em compensação raras eram as vezes em que o console não lia o jogo (ou seja, não ficávamos aguardando aquele loading interminável). E se você tinha família grande ou uma galera unida na escola, todo mundo se reunia e levava seus cartuchos na bolsa, marcando encontro na casa de alguém. Sempre numa casa diferente a cada semana. E as opções? Se hoje você se assombra quando vê meninos de 12, 13 anos de idade jogando games como Counter Strike e Modern Walfare, na minha época o fino da bossa era Pac-Man. Isso mesmo! O bom e velho amigo come-come. Porém, existiam além desse clássico (que já fez o Google tomar um prejuízo de milhões de dólares só por ter prestado homenagem a esse gracioso passatempo na tela de abertura de seu site de buscas) opções as mais variadas para os públicos mais ecléticos.

Dentre os que eu mais curtia, destaco Seaquest (o do submarino matador de piranhas), que confesso já ter visto na internet em outras versões remodeladas, mas longe do brilhantismo do original; Pitfall (verdadeiro safári em que eu e minha irmã ficávamos quebrando a cabeça para ultrapassar pontes quebradas e areias movediças); River Raid (em que eu era piloto de um jetinho muito do mal feito, mas que dava tiro pra tudo quanto é lado. Nesse eu era fera!); Enduro (provavelmente um dos primeiros jogos - talvez o pioneiro - de corridas de automobilismo); Frostbite (com o esquimozinho simpático pulando nas tiras de gelo para montar o seu iglu e escapar do urso polar) até os antológicos Freeway (do qual guardo memória das batalhas que eu tinha com um vizinho para saber quem atravessa mais vezes a rua com sua galinha) e Decathlon (jogo olímpico que era uma verdadeira mina de ouro para os fabricantes de controle, que quebravam com relativa facilidade quando se disputava a prova dos 100m rasos ou o salto em distância e o jogador precisava acelerar o boneco. Se fosse aquele modelo quadrado com o bastão, então, era um agonia!). E por falar em joysticks havia sempre os pedidos de natal para que nossos pais comprassem os modelos da Dynacom, que pareciam manches de avião e tinham uma durabilidade muito maior.

Isso fora Atlantis, Hero, Popeye, Moon Patrol, Frogger, o terrível Sex Mania (que os pais nunca compravam pra gente - não importa quantas vezes pedíssemos! - porque o achavam pornográfico demais), Venture, aquele do carrinho de fórmula 1 que soltava fumaça nos carros vermelhos e tantos outros... Se olharmos pela ótica de hoje, esse país globalizado onde tudo tem de mudar de marca ou estilo o tempo todo e as coisas perdem a importância e a funcionalidade num espaço muito curto de tempo, parecem bobos esses joguinhos despretensiosos. Mas certamente quem viveu o período pode defender - tanto quanto eu - esse console que se não tinha, por um lado, o compromisso de ser substituído a qualquer instante por uma tecnologia superior (a velha mania da defasagem que o ser humano dos novos tempos vive propondo a todo o momento com novas artimanhas e estratégias), por outro certamente entrou para o panteão das ideias mais originais da face da terra e dificilmente será esquecido por gerações que admiram coisas duráveis e não o artificialismo vazio dessa época em que absurdamente vivemos.


Para matar saudades, alguns desses jogos em versões online:
   

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cinema: "Aconteceu em Woodstock", de Ang Lee



Eu gosto de imaginar essa coisa da máquina do tempo - estou fazendo esse comentário por conta de um bate-papo que rolou na faculdade essa semana sobre o tema "o que eu faria de diferente se pudesse voltar no tempo?" - e da possibilidade de que qualquer ser humano possa avançar ou regressar a qualquer época (como o Marty McFly em De Volta para futuro). imagine o mundo de possibilidades: poder assistir os Beatles de perto, em meio a todos aqueles pontapés, sopapos e cotoveladas múltiplas, ver a final da Copa do Mundo de 1970 em que a melhor seleção de todos os tempos jantou a Itália de forma incontestável, entender da plateia o que significavam aqueles festivais da canção que aconteciam na Record, ter visto o Cometa Halley (se é que ele realmente deu o ar da graça em 1910, como contam as gerações mais idosas!). E, acima de tudo, como fã mais do que lunático do bom e velho rock n' roll que sou e sempre serei, ir à Woodstock. O que foi aquilo? Que mundo era aquele que conseguiu transformar míseros três dias de um longínquo agosto de 1969 numa hecatombe de música, sexo, drogas e muita alucinação? Quem foi o real responsável por tudo aquilo que as imagens daquele célebre documentário produzido pelo cineasta Martin Scorsese não cansam de relembrar para os admiradores mais nostálgicos?

Seu nome: Eliot Tachberg (atuação impressionante de Demetri Martin). Ele não tinha uma vida alucinada, muito menos cheia de emoções constantes. Sua existência - se é que dá pra chamar isso de existência! - resumia-se a ajudar os pais na administração de um pequeno hotel localizado na cidade de Bethel, uma hora e meia de distância de Nova York, definitivamente um lugar esquecido por Deus e pelas pessoas ditas normais. Nada de garotas maravilhosas em minúsculos biquínis nem megaeventos ou empreendimentos gigantescos. Nada. Aquela típica vidinha à la Carlos Drummond de Andrade em Confissões de um Itabirano! Mas não por muito tempo. E não para Eliot. Ele tinha um sonho e via potencial em sua cidade para realizá-lo (bem como os loucos que investiram em sua ideia tresloucada): fazer um festival de música. O que Eliot ainda não sabia era que a sua pequena ideia iria transformar a cidade no palco de um dos maiores eventos da história musical em todo o mundo.

Com a confirmação do evento a cidade, até então pacata, vira um inferno: congestionamentos, tumulto, gente de tudo quanto é lugar do planeta terra vem desembocar ali, fazendo com que a infra-estrutura existente seja impraticável para dar conta de um espetáculo daquela magnitude, inundado por um multidão de hippies, tatuados e outros fanáticos, que muito cedo (alguns até poderão dizer que se adiantaram aos próprios organizadores da festa) perceberam que algo grande estava se formando ali, passo a passo. Ang Lee, diretor desse majestoso Aconteceu em Woodstock, faz de sua película um colírio para os olhos de todas aquelas pessoas que sempre quiseram saber como o maior festival de todos os tempos foi idealizado. Para aqueles que aguardam as apresentações, com as canções que já se tornaram lendárias entoadas pela multidão de afficionados, recomendo o You Tube ou outro portal de vídeos onde se pode encontrar esse material às toneladas. Aqui o que interessa, o que está em foco, é a história de como um sonho se transformou em realidade e mudou a vida de toda uma cidade e uma geração.

Contando com um elenco muito eficaz para aquilo que o projeto se propôs - que traz desde Liev Schrieber na pele de um travesti a Emile Hirsch numa atuação intensa nos poucos minutos em que aparece em cena (o que mostra porque ele é um dos atores jovens mais promissores do momento) -, Lee vai pontuando os desejos de cada um desses frequentadores, quase colaboradores de todo o processo, de cada um desses seres únicos que estavam ali, no lugar certo, na hora certa, quando tudo simplesmente aconteceu e o mundo mudou por 72 horas. À parte o fracasso comercial do evento, o que se viu foi um fenômeno único digno de um capítulo especial nas mais importantes enciclopédias culturais de todos os tempos. E essa classificação nenhum intelectual ou político será capaz de lhe tirar.

Conheci pessoas, quando morei na Zona da Leopoldina, que estiveram lá, naquele agosto inesquecível e repleto de paixão e encantamento. Muitos deles foram meus professores de ensino fundamental. A maioria tinha uma atitude em sala de aula muito peculiar: aquele olhar agressivo, direto, mordaz, como quem diz aos alunos "Não aceitem simplesmente de graça tudo que lhe derem nessa vida. Vão conquistar!". Chamo isso de efieto Woodstock. Infelizmente não faço parte dessa geração (daí o desejo irrefutável de que algum cientista invente logo a máquina do tempo o quanto antes), mas serei um eterno devedor do Sr. Ang Lee por ter presenteado a minha e as futuras gerações com esse presente cinematográfico, esse exemplar único em sua essência e execução. E digo mais: merecedor de constar de qualquer videoteca particular que se preze. 

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Musas: Sharon Stone



É com muito pesar e sempre atraindo o descontentamento de meus colegas de cineclube que olho atualmente para as telas de TV e vejo algumas das chamadas símbolos sexuais da contemporaneidade. O que pode haver de realmente interessante em máscaras de botox, corpos siliconados em demasia e outras intervenções cirúrgicas que eu tenho até medo de explicar para os leitores desse humilde blog? É, meus amigos e confidentes virtuais, beleza está virando motivo de discórdia (ou, no mínimo, de discussão que pode render meses e meses de debate sem chegar a lugar nenhum). E não pensem vocês que as musas de cinema estão livres desse universo plastic surgeon! Não, senhor. Há exemplares exóticos em grande número desfilando pelas ruas de Hollywood e adjacências. Nem todo mundo (que bom seria se fosse!) pode ser uma Charlize Theron...

Mas eu não ia falar de musas? Claro! E vou. O caso é que a musa de hoje me remete a um tempo em que seios gigantescos, coxas musculosas e lábios carnudos em excesso eram coisa, no máximo, de heroína underground de histórias em quadrinhos. Não era isso que se procurava na tela grande. Vide o sucesso causado pela atriz Sharon Stone quando despontou para o estrelato. E olhe que se tratava meramente de uma estudante universitária de desempenho acima da média, mas com um comportamento anti-social bastante presente em seu caráter. A primeira vez que a vi atuando - algo em torno da época em que ela devia já ter sido eleita Miss Pensilvânia - foi em duas produções de aventura ao lado do ator Richard Chamberlain, que interpretava o heróico personagem dos livros de H. Rider Haggard Alan Quatermain, nos filmes As Minas do Rei Salomão e Alan Quatermain e a Cidade de Ouro Perdida (ambas produções de Menahem Golan e Yoram Globus). Sharon, linda, esbelta, cabelos loiros ainda encaracolados, já mostrava um pouco do sex appeal que seria sua marca registrada nos anos seguintes.

Entretanto, sua estreia realmente se deu quando Woody Allen a chamou para ingressar o elenco de Memórias (em 1980), quando ainda era uma contratada da agência Ford Models. O estrelato, então, só começaria a bater em sua porta com Instinto Selvagem (1992), do diretor Paul Verhoeven, com quem já trabalhara dois anos antes no longametragem de ficção O Vingador do Futuro, baseado em conto do escritor Phillip K. Dick. Na pele de Catherine Tramell - até hoje sua personagem de maior destaque ao longo de toda a carreira -, marcou uma geração de cinéfilos, principalmente o público masculino, pela cruzada de pernas mais famosa da história do cinema, e por suas cenas calientes com o ator Michael Douglas que, anos mais tarde, quando casou com a atriz Catherine Zeta-Jones, assinou um contrato pré-nupcial por conta de seu suposto "vício em sexo" (uma história muito mal esclarecida até hoje). O fascínio pela personagem femme fatale de Stone rendeu a atriz até mesmo um convite para posar nua pela Playboy.

Passada a fase da novelista policial ninfomaníaca, continou marcando presença nas telas com personagens sensuais e poderosas, seja na pele da inocente, mas sedutora Carly Norris, espionando a intimidade alheia em Invasão de Privacidade, na vingativa May Munro de O Especialista, capaz de tudo para destruir o homem que matou seus pais (e aqui um aparte mais que necessário: como esquecer a cena do chuveiro em que contracena com o ator Sylvester Stallone?) e a pistoleira Ellen que retorna à sua cidade natal para acertar contas com o passado num torneio de vida ou morte em Rápida e Mortal, inusitado projeto de Sam Raimi (então famoso por seus filmes de terror de baixo orçamento). Até a chegada do fantástico ano de 1995 e o convite de Martin Scorsese para interpretar a inebriante e letal Ginger McKenna, o elo de paixão e ódio dos personagens mafiosos vividos por Robert de Niro e Joe Pesci em Cassino. Uma interpretação poderosa que lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz e uma posterior indicação ao Oscar.

Daí em diante sua carreira sofre uma queda considerável, apesar de sua beleza continuar em evidência. Porém, mesmo seu carisma não consegue alavancar produções apenas medianas - mesmo sendo algumas delas dirigidas por nomes de peso da indústria -, tais como Diabolique, de Jeremiah Chechik, dividindo a atenção com a também exuberante Isabelle Adjani; Esfera, de Barry Levinson, em que não consegue convencer na pele de uma cientista, mesmo estando acompanhada da dupla Dustin Hoffman e Samuel L. Jackson; Garganta do Diabo, de Mike Figgis, Onde o único personagem consistente parece ser a casa onde os personagens moram; Mulher-Gato, de Pitof, filme em que o diretor conseguiu destruir a reputação da personagem dos quadrinhos Selina Kyle (vivida por Hale Berry), até retornar 14 anos depois a personagem que dera o pontapé a toda a sua ascensão profissional (contudo, Instinto Selvagem 2, de Michael Caton-Jones, se mostra um thriller vazio, sem brilho algum e com psicologia de mais e sexo de menos).

Nesse ínterim uma notícia externa aos sets de filmagem suscitou muito mais comentários do que seu próprio trabalho frente às câmeras: a notícia de que a atriz tinha um coágulo no cérebro, o que provocou um sumiço repentino da musa das telas. Nos últimos tempos, entre pequenas participações, papeis de pouco destaque e produções em que a própria atriz bancou do bolso, as que tiveram algum destaque - mesmo que momentâneo! - digno de nota em jornais e publicações voltadas para a sétima arte foram Bobby, belíssima produção do ator/diretor Emilio Estevez em que narra o dia do assassinato do então candidato a presidência da república nos EUA Robert Kennedy (e aqui uma observação importante: muito se comentou, na época, sobre a cena curta em que contracena com Demi Moore, outra que andava sumida dos holofotes desde sua desastrosa participação no filme Striptease, que quase deu fim a sua carreira) e o drama Alpha Dog, de Nick Cassavetes, onde seu maior destaque atuando foi numa das últimas cenas em que contracena exibindo uma silhueta gorda e flácida, construída para mostrar a derrota e a amargura de uma mãe que nunca superou a perda do filho, morto dias após seu sequestro.

Desilusões e contratempos à parte, Sharon Stone (pelo menos em minha memória) ficará eternamente gravada como beleza natural e verdadeira, diferente de certas aberrações tratadas como musas nos dias de hoje. Numa era onde beleza é sinônimo de armaduras marombadas feitas em academia, lembro com saudades do tempo em que essa magnífica blonde star exibia sua exuberância e charme inigualáveis em personagens pra lá de sensuais. Onde foram parar esses tempos mágicos?         


sábado, 11 de setembro de 2010

Points: Cavídeo Locadora



Assim como fiz com a seção das musas volto a lançar uma nova coluna que, acredito, pode se transformar na cara desse blog. Nunca me esqueço da leitura de Ela é Carioca: uma enciclopédia de Ipanema, de Ruy Castro, em que ele destila todo o seu humor, mostrando figuras lendárias da música e das artes em geral, lugares inesquecíveis, temáticas e tendências que marcaram uma época. E pensei comigo: "Não é para isso que existe o Jukebox? Para mostrar o que de melhor existe em termos de cultura?". Pois então: como não falar de alguns points cariocas imperdíveis para você morador, visitante, turista, que sabe muito bem que Rio de Janeiro não é só praia, mulher bonita, cerveja gelada, carnaval, Maracanã e samba. Existe, isso sim, um mundo de possibilidades culturais mais perto do que você imagina. O que faltava era um guia que decifrasse esses lugares pra você. Até agora (Já sei! Você dirá: "é muita petulância desse blogueiro achar que..." e eu interrompo a sua explanação no meio antes que o discurso fique agressivo demais). Provavelmente vocês estão certos, mas mesmo assim - cínico que sou desde nascença - tentarei, pois nada me custa esse esforço mental e de pesquisa. Comecemos!

Para estrear essa nova coluna, lógico!, falarei de cinema, um dos pré-requisitos básicos da idealização e construção desse espaço. E o lugar em questão é a Cavídeo. E o que é a Cavídeo, meus amigos blogueiros que acham que estou falando um dialeto de alguma região do Leste Europeu? E eu poderia simplesmente dizer: uma videolocadora. Porém, apanharia - e feio! - de todos os seus associados. A cavídeo é muito mais do que isso. "É a realização plena de um sonho cinemaníaco guardado a sete chaves" (esse trecho encontra-se entre aspas já que pertence a um desses alucinados locatários, amigo meu de longa data). Cavídeo é o Oráculo de Delfos ou de Tebas das locações de VHS, DVD e Blu-Ray. Sim, meus caros correligionários, eles ainda têm fitas de vídeo no acervo! Com seu catálgogo majestoso, contendo mais de 15.000 títulos, reunindo produções dos mais diversos pontos do planeta. Fica localizada no mezanino da Rua Voluntários da Pátria, 446, em Botafogo. Em poucas palavras: o lugar é praticamente o reino encantado dos cinéfilos mais apaixonados.

Na primeira vez em que lá estive veio-me a certeza de estar diante do lugar perfeito para responder a todos os tipos de questionamentos envolvendo a sétima arte. Enquanto fuçava entre as prateleiras, fiquei com a clara convicção de que qualquer dúvida, qualquer opinião sobre o gênero que comece com a clássica pergunta "Vocês têm...?" pode ser esclarecida pela boa vontade do atendente que, deixando-o feliz, responde: "Ah, sim! temos". Alguns exemplos clássicos dessas perguntas feitas ao tão solícito balconista:

Vocês tem alguma coisa do Michelangelo Antonioni? Resposta: sim, os filmes estão ali na mesma seção que o Bergman e o Kurosawa.
Vocês tem o primeiro longa-metragem que o M. Night Shyamalan dirigiu no início da carreira, ainda na Índia? Resposta: Sim, mas está alugado (trata-se de um filme cult) e não possui legendas em português.
Vocês têm o box com a primeira temporada da série Miami Vice, aquela com o Don Johnson e o Phillip Michael Hall, que foi refilmada recentemente pelo Michael Mann? Temos, sim, só que tem lista de reserva (algo muito comum nesse tipo de lugar). Põe seu nome ali.
Vocês tem Garganta Profunda, aquele filme pornô lendário com a atriz Linda Lovelace?
E por aí vai, num universo infindável de perguntas e respostas.

Não falei que era um paraíso para os amantes da cinefilia aplicada e analítica? Um mundo cinematográfico dividido em estantes que mais parecem um front de batalha, disputando sua atenção como guerrilheiros vorazes.

O fascínio pelo lugar é tamanho que a própria paixão do criador da locadora, Cavi Borges, pelo cinema, transformou-o num cineasta e produtor independente (de, entre outros, filmes como L.A.P.A). Prova disso são os inúmeros episódios da série feita para celular e transmitidos pela Oi TV Matheus, o balconista, mas que podem ser facilmente encontrados no You Tube, a meca dos desbravadores de cinema não-comercial. Nos curtas o ator Matheus Solano (aquele que fez o papel dos gêmeos na novela Viver a Vida da Rede Globo, escrita por Manoel Carlos) personifica o dia-a-dia de um atendente da loja com todas as alucinações propostas pelos diferentes tipos de clientes que passam diariamente pela locadora. Uma produção muito bem humorada que capta com perfeição o espírito do lugar.

Dito isto, fica a intimação: como não ficar no mínimo curioso para conhecer (e eu disse apenas conhecer, pelo menos num primeiro momento) um lugar como esse? Estão esperando o quê pra tirar o corpanzil do sofá? Acham que lugares assim se encontram na primeira esquina depois da nossa casa?

Alguns episódios (os meus preferidos) da série Matheus, o Balconista:


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Literatura: "Festa Infinita: o entorpecente mundo das raves", de Tomás Chiaverini



Devo realmente estar ficando velho, pois não me lembro com exatidão da última festa louca da qual tenha participado. Provavelmente deve ter sido lá pelos idos de 1997, 1998... Por aí. E há que se levar em consideração que o conceito de loucura vigente naquele tempo era completamente diferente do que se vê hoje em dia nas atuais festas. No meu tempo de adolescente a premissa básica era azarar as gatas, não havia esse papo de ficantes como rola atualmente. Chamavam de namoro quem namorava. Hoje não sei mais. E talvez por isso - por ter percebido essa mudança de comportamento das pessoas - eu tenha preferido, com o passar dos anos, a companhia dos lugares fechados, cinemas, teatros, salas de esposição, casas de show, fóruns de debate e, de preferência, com um público espectador saudável (e o que eu chamo de um "público saudável" é uma plateia que não queria simplesmente histeria, caos, tumulto, que saiba aproveitar o momento, o show, a apresentação, o evento ou como você quiser definir o motivo para sair de casa num final de semana).

Por esse motivo, foi uma grata (e estarrecedora) surpresa, se é que dá pra juntar essas duas instâncias numa mesma frase, ler Festa Inifinita, do jornalista Tomás Chiaverini, em que realiza uma apuração muito bem cuidada do perverso e abissal mundo das raves. "Raves? Que porcaria é essa?", perguntou uma tia minha, ex-farmacêutica na casa dos seus 60 anos, que estava presente no meu quarto no momento em que buscava fontes para montar esse texto. Eu poderia, de forma curta e grossa, resumir a expressão nesses termos: são festas intermináveis (pelo menos, assim desejaria que fossem a maioria de seus frequentadores) regadas a muito álcool, sexo e drogas as mais variadas. Muita gente, após esse meu comentário infame, iria certamente ao êxtase, bradando seus "Yeah", "Uhuuuu", "Falô", "É isso aí" e outros dialetos e gírias tribais contemporâneas, porém acabaria eu mesmo por admitir que minha interpretação é um tanto inexata. E por quê? Simples: porque não existe uma interpretação definitiva para esses megaeventos. Eles simplesmente existem. As pessoas amam participar deles. E ponto.

Só para ter uma breve noção do enlouquecimento que a mera referência a essa "festa" gera, a minha primeira reação ao contato com o verbete Rave no dicionário (Da língua portuguesa? Fiquei na dúvida agora), verbete esse que o próprio autor faz questão de trazer logo no início do livro, já é, por si só, impactante em demasia. Ver a palavra associada a definições tais como "delírio", "acesso de cólera", "fúria", "proferir palavras incoerentes", "ser louco", "querer algo a todo custo", entre outros impropérios, não é, definitivamente, um quadro nada positivo desse espetáculo, como bem diria minha saudosa avó que está no céu, "de horrores". Contudo, é preciso assumir logo de cara que as raves são comemorações para poucos, digamos, uma classe selecionada a dedo para participar de uma experiência transcendental (não sei porque nesse momento veio-me à mente a apresentação do Jimi Hendrix Experience no lendário Monterey Pop, com o maior guitarrista de todos os tempos pondo em chamas sua Fender Stratocaster diabólica ao som dos uivos e gemidos de uma plateia ensandecida. Será isso mera coincidência? Creio que não...). Poucos, eu disse mais acima? Que inocência a minha! Eles, alucinadamente, hiperlotam sítios, praias, descampados, numa cerimônia que dura horas, dias, semanas, sabe-se lá Deus se não meses.

Chiaverini, exímio investigador, que já havia mostrado toda a sua malícia regada a litros de óleo de peroba no anterior - e excelente! - Cama de Cimento, sobre o dia-a-dia árido dos sem-teto que vivem em São Paulo, fuça os meandros desse universo dark onde música techno em alto volume (gênero musical que eu mesmo só fui conhecer de maneira mais aprofundada a pouco tempo, após me emprestarem alguns CDs do Moby e do Fat Boy Slim), GHB (ou anfetamina, o que for mais fácil de aprender. E pra quem não sabe do que se trata, aconselho buscar mais informações a respeito, principalmente se você é um pai de família preocupado com a criação de sua prole) e pessoas liberais, algumas seminuas outras escrachadas, ditam a tônica dessa badalação. Depoimentos que de tão verídicos parecem absurdos, declarações bombásticas, confissões as mais desagradáveis - principalmente envolvendo relações sexuais -, tudo pontuado por uma narrativa que transita de forma exuberante entre o humor ácido e a denúncia feroz.

Relutei, confesso, bastante tempo antes de ler essa obra-prima do jornalísmo investigativo que estava dando sopa nas prateleiras de uma das milhares de bibliotecas onde tenho cartão de sócio e das quais, volta e meia, desapareço, deixando o acervo se atualizar por uns tempos. E hoje me arrependo de não tê-la lido antes. É um mal mais do que necessário para leitores de estômago forte e cabeça aberta. Festa Infinita é praticamente uma prestação de serviços pública travestida de reportagem, mostrando de forma direta e sem aliviar a barra de ninguém, por onde andam nossos irmãos e irmãs mais novas, sobrinhos, filhos, netos, bisnetos e quantas outras gerações mais houver. Ao término da última página lida, fiquei sentado no sofá da sala de estar ainda um tempo, digerindo o que acabara de ler (o que assombrara o meu mundo pacífico de maneira tão detalhista e cruel), pensando se ainda existe lugar para adolescência no mundo e, caso a resposta a minha pergunta seja negativa, o que é isso que tomou o seu lugar nos últimos anos. Leitura obrigatória para quem deseja, pelo menos, entender um pouco desse mundo caótico, capitalista, vulgar (e chamado de alegre por alguns) em que vivemos atualmente. 

domingo, 5 de setembro de 2010

Quadrinhos: "Heavy Metal", de Leonard Mogel



No meu tempo de locatário de fitas VHS (fase essa em que eu era muito mais fanático por aluguel de filmes do que hoje, até porque encontrar as produções cinematográficas ditas clássicas ou cults era muito mais complicado do que hoje em dia) qualquer animação que não pertencesse ao catálogo do grupo Walt Disney - que eu considerava por demais "conservador" - precisava de muito pouco para atrair minha atenção. Foi assim com Akira, de Katsushiro Otomo, obra-prima asiática muito melhor em zilhões de aspectos do que a maioria das megaproduções que a casa do Mickey produzia no período e com Porco Rosso, uma aventura latinoamericana engraçadíssima que trazia um suíno aviador como protagonista em meio a muitos percalços envolvendo espionagem. E, para ter uma ideia mais complexa dessa minha idolatria aos "concorrentes" da Disney, veja o que já escrevi sobre Hanna-Barbera aqui nesse blog. Quando encontrei Heavy Metal (a animação dirigida por Gerald Potterton em 1981) escondida, dando sopa entre as prateleiras da videolocadora que ficava a dois quarteirões da minha casa, então, enlouqueci. Era um mundo novo que se descortinava diante de meus olhos e eu nunca mais fui a mesma pessoa depois daquela experiência, pois logo a seguir veio a descoberta de que havia uma revista bimensal de mesmo nome com suas histórias mistas de ficção-científica e fantasia carregadas de erotismo e violência.

Nenhuma outra notícia, portanto, poderia ter me deixado mais frenético quanto ler em um artigo do site Omelete - http://www.omelete.com.br - o interesse de cineastas como David Fincher (que somente pelos filmes Seven - os crimes capitais e Clube da Luta já me ganhou como fã exclusivo no lançamento de seus futuros projetos), James Cameron (responsável pelo fenômeno global Avatar) e Zack Snyder (a mente brilhante por trás de 300 e Watchmen), entre outros, de realizar uma nova versão em Live Action da história em quadrinhos, considerada a maior expressão do movimento surrealista internacional contemporâneo, ficando cada um deles responsável por um episódio baseado em personagens da publicação. [Pausa para uma rápida euforia]. Os visitantes mais novos desse espaço blogosférico, logicamente intrigados, se perguntarão então: "Que raios foi (ou é, dependendo do tamanho de sua admiração algumas coisas nunca morrem) essa tal de Heavy Metal?".


Tudo começou quando Leonard Mogel deparou-se, em Paris, nos idos de 1974, com a publicação francesa Metal Hurlant e decidiu realizar sua versão americana da mesma, tamanho o fascínio que o universo científico-fantástico daquelas narrativas gráficas causou nele. Três anos depois, o que começou como simples traduções feitas a partir das histórias originais, transformou-se na incursão dos primeiros colaboradores de renome, como Jean Girard (conhecido internacionalmente como Moebius), Tanino Liberatore (criador do violento ciberpunk, atualmente em evidência de novo, Ranxerox) e Jean-Claude Forest (responsável por trazer à vida a sensual e eterna Barbarella, imortalizada no cinema pela belíssima atriz Jane Fonda, em produção do diretor Roger Vadim, seu marido na época). Em 1979, Heavy Metal começa a agregar temas de revistas notórias do período, como Amazing Stories (mais conhecida aqui no Brasil como a série sobrenatural de sucesso com episódios dirigidos por gente do quilate de Steven Spielberg e Joe Dante) e Fantastic, além de inserir em suas páginas aspectos da cultura popular americana, como rock n' roll, quadrinhos underground, animações experimentais, shows com raios laser, como os feitos pelo artista multimídia Jean-Michel Jarre, um pioneiro do gênero e contar, volta e meia, com entrevistas a personalidades da cultura mundial, como o cineastas Federico Fellini e Roger Corman e trechos de obras literárias consagradas (numa coluna conhecida como Dossier).


Famosa por sua versatilidade - a revista adaptou para os quadrinhos o poema épico Paraíso Perdido, de John Milton, que é aclamada até hoje como a melhor adaptação poética já feita na história -, já atraiu (e continua atraindo!) a fúria de muitos críticos, que pedem seu banimento das bancas por conta do excessivo (opinião deles) uso do nudismo e da violência gráfica na construção de suas histórias, muitas vezes prematuramente rotuladas de pornográficas. Contudo, nem mesmo os indignados detratotes conseguiram fazer com que a publicação perdesse o seu status de cult. Seu atual dono (ou será melhor dizer o último, tendo em vista que há bastante tempo não ouço notícias sobre esse universo?), Kevin Eastman, co-criador das Tartarugas Ninjas, continua tentando manter a essência do que a proposta do veículo pretende: inovar, mesmo que para isso tenha que conquistar alguns desafetos.


Devassidão, nudez, amargura, brutalidade, sexo, fúria, encantamento, tudo isso e muito mais, misturado num caldeirão de sentimentos os mais antagônicos, fizeram de Heavy Metal o que ela é: uma revista agressiva como são os melhores veículos e periódicos culturais que o mundo já produziu. Não se trata de uma publicação para todos os gostos, vou logo alertando!, já que o gênero incomodará aos olhos mais sensíveis e moralistas, porém se sentida e visualizada com o olhar crítico que merece, é entretenimento da melhor qualidade. E acreditem: precisará de poucos segundos (ou diálogos) para absorver sua total atenção. Logo é recomendável apenas para momentos de relax absoluto (leiam-se: férias, folgas, licenças etc).

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Opinião Crítica: "O Almanaquismo"



Diversão de criança na minha época era: a) ler histórias em quadrinhos ou b) brincar na rua. "O que fosse mais barato", diziam meus pais. Não havia ainda essa competição grotesca, pode-se dizer, sobre quem iria produzir o melhor videogame: Sega ou Nintendo? Playstation era uma palavra que não tinha significado algum para a minha geração. Está certo! E aí você dirá: "Mas e o Atari e o Odissey, os dois exemplares de 'alta definição' desse período?". E eu responderei: eles existiam para atender uma demanda muito específica de público, nem todos ousavam ter um em casa, por motivos financeiros, e a indústria de games não era tão popularizada e cheia de ídolos como a de hoje. Dentre os que escolhiam a opção a) o sonho de consumo-mor eram os almanaques. Eles eram maiores, logo tinham mais histórias, e as capas eram sempre entregues aos melhores artistas, que faziam desenhos mais elaborados, com versões temáticas sobre determinado assunto ou personagem que virasse febre do dia pra noite na cabeça de crianças e adolescentes. Os meus preferidos eram os almanaques da Disney com suas edições de mais de 200 páginas. Passava os fins-de-semana na casa da minha avó lendo Mickey, Pato Donald, Zé Carioca, Pateta e toda a turma de Patópolis (cidade-sede dos moradores do universo Disney) o dia todo. Minha mãe chegava a reclamar: "Você não vai largar isso, não?".

E por que estou voltando a esse assunto tão antigo que mais parece extraído de um dos episódios do antigo programa televisivo da Rede Manchete Acredite se quiser, que tinha como apresentador o carismático e divertido ator hollywoodiano Jack Palance mostrando situações que transitavam entre o irreal e o fatídico? Porque o mercado editorial nos últimos anos parece ter abraçado - e com muita vontade! - o fascínio pelos almanaques. São pencas deles, abarrotando as prateleiras das livrarias, sobre os mais diversos assuntos e gostos: Almanaque do Rock, dos Beatles, do Fusca, de Machado de Assis, da MPB, das décadas (anos 70, 80, 90 etc), da Rádio Nacional, das séries, de Jornada nas Estrelas, dos Quadrinhos, dos filmes de terror... Ufa! É versão que não acaba mais. E as editoras, vendo no filão um mercado atraente, lutam por seu espaço unha a unha.

Os críticos mais conservadores condenam volta e meia o modismo - como gostam de classificar - em suas crônicas e textos jornalísticos pelo número excessivo de volumes e temáticas que abundam o mercado. Não faz muito tempo li num artigo de uma revista especializada em literatura feito por uns desses detratores condenando a frequência abusiva com que esse tipo de material ganha as graças dentro do mercado editorial que comprou o estilo como mero fenômeno best-seller. "Porém", esclarecia o autor, "esquecem de muitas tragédias que aconteceram no período respectivo de que trata o almanque, passando para o público uma visão deturpada e utópica da época". De princípio fiquei meio dividido após ler tais declarações por tratar-se de um fato realmente verossímil. Só se falam das coisas geniais, do que deu certo, pulando episódios fortes e negativos, mas que foram de vital importância para que a sociedade evoluísse como um todo. Mas, no final das contas, não é disso que se tratam os almanaques? Entreter o público com fatos saudosos, que remetam a lembranças de um período que você nunca gostaria que tivesse terminado? Eu mesmo, não tem muito tempo, li um exemplar desses mágico sobre marcas de sucesso (como drops Dulcora, Sofá Drago, Cigarrinhos de Chocolate Pan etc) que desapareceram de nossas vidas com o passar do tempo. Simplesmente formidável!

Polêmicas e rivalidades à parte, esses vade-mécuns culturais (acho essa uma boa definição para esse tipo de livro) estão por aí, dividindo prateleiras e os espaços nobres dentro das megalivrarias com os autores de renome e os vencedores do Prêmio Nobel de Literatura. E vieram para ficar! Podem ter certeza de que, nesse momento, enquanto escrevo essa coluna, novos temas estão sendo elaborados para adentrar o mercado livreiro num período muito curto. E há de chegar o tempo em que se farão livros (ou almanaques) que discutam a existência e a importância dos próprios almanaques para a sociedade de consumo. Se é que já não existem, tendo em vista que um colega meu, estudante de psicologia, defende a teoria de que nós, seres humanos, só temos ideia de 10% do que se passa no mundo ao nosso redor. Vai saber o que acontece nos outros 90%! É questão de apenas um autor dar a cara à tapa e ter uma linha de raciocínio  mais ou menos original, reunir material infográfico de qualidade boa (pois sem imagem - lembra do comercial do Sprite "Imagem é tudo"? - não existe almanaque que se preze) e realizar uma pesquisa que não precisa ser exorbitantemente aprofundada. Pra quê? Bastam os dados primordiais. O restante é com o leitor. E boa leitura.